Há exatos 106 anos, numa segunda-feira, nascia no município paraense de Curralinho em 12 de agosto de 1912, Benedito Ferreira do Nascimento, Mestre 'Bené', um dos
grandes mestres de obras do Amapá.
De família atuante no roçado e na pecuária como todas as comunidades dentro do arco Marajoara, mestre Benedito Ferreira do Nascimento
teve seus estudos primários paralisados na segunda série; era autodidata,
possuía uma caligrafia corrida e era atento ao noticiário político do Brasil e
do mundo, através das leituras diárias dos jornais impressos e de seu rádio à pilha,
através das ondas d’A Voz da América’. A carpintaria era sua profissão e a
marcenaria sua arte. Era o mais velho de uma família de três irmãos, (Benedito,
Nestor, Alcídia).
Casado com Josefina Moura do Nascimento, com quem gerou três
filhos, sendo que as duas gêmeas, pereceram de malária, que minava as matas
amazônicas, e o caçula Raimundo Moura do Nascimento, adoeceu da mesma doença e
para evitar a perda do único filho o casal deslocou-se imediatamente para
Macapá, em 1939, passando a residir à Rua Beira da Praia, hoje orla de Macapá.
Nesse período, Benedito Nascimento começou a trabalhar como carpinteiro
e nas horas vagas construía mesas, camas e utensílios diversos como marceneiro.
Como o serviço rendia pouco sua esposa Josefina, mais conhecida como Dona Nenê,
passou a 'lavar para fora' nas águas do caudaloso Rio Amazonas, e tinha no filho
Raimundo Moura do Nascimento, conhecido por Gatão, o entregador das roupas
lavadas e engomadas.
O Amapá é transformado em Território Federal e com o advento das
obras públicas os trabalhadores pedreiros, carpinteiros e pintores se tornam
mão-de-obra de primeira linha. O governo Janary Nunes, contempla os grandes mestres
e pequenos construtores e os torna Mestres de Obras com assinatura de contratos,
e assim passam a construir a infraestrutura da capital amapaense, para as
repartições públicas que dariam o ponta pé inicial para o crescimento do novo
Território.
Mestre Júlio e Mestre Benedito capitanearam diversos
operários e montaram suas equipes. Ele, mestre na carpintaria, recebeu a
incumbência de construir os telhados do Hospital Geral de Macapá e da Maternidade
Geral. Mestre Benedito participou das obras de escolas e postos de saúde nos
municípios, entre eles o Barão do Rio Branco, a Escola Normal de Macapá e o
Hospital Geral de Macapá (primeira unidade de saúde pública do Amapá).
Com o crescimento populacional de Macapá e a pretensão do governo
em realizar mudanças na frente da cidade, com a construção da residência
oficial, Macapá Hotel e as residências dos primeiros gestores do segundo
escalão, Janary começou a demarcação de terrenos a partir da General Rondon e os
doou aos que prestavam serviços ao governo.
Caso do Mestre Benedito que foi agraciado com um terreno medindo 35 x 40 na Avenida Presidente Vargas,
entre as Ruas Eliezer Levy e Odilardo Silva, que recebeu o número 56, onde começou
a construir sua residência; e sua esposa, com a eficiência de seu trabalho de lavadeira,
recebeu dos primeiros diretores a missão de lavar os uniforme de Janary Nunes e
do Dr. Hildemar Maia, que mais tarde seria padrinho de casamento de Raimundo Moura
do Nascimento e de Zoraide Coelho do Nascimento.
Ao ser instalada a mineradora ICOMI no Amapá, o governador Janary
Nunes, a pedido da empresa, indicou
nomes de servidores operários de elevado padrão técnico, que haviam atuado nos
serviços estruturais de instalação do governo do Amapá, que pudessem trabalhar com
os engenheiros americanos.
Mestre Bené foi um dos indicados e colocado à disposição da
empresa.
Na ICOMI, contratado em 19 de janeiro de 1954, Mestre Bené foi o
Chapa nº 416 e recebeu a incumbência de Encarregado de Conservação de Obras, no Serviço de Conservação. Foram muitas as missões dentro da ICOMI:
manutenção do cais flutuante; da Estrada de Ferro do Amapá, na área
interna da empresa; de obras de manutenção na Vila Amazonas, onde recebeu uma
residência para morar na Vila Intermediária e quando concluiu sua casa em
Macapá, se mudou.
Recebeu diversas honrarias da empresa, uma delas foi quando completou
dez anos de serviços prestados e ganhou um relógio e uma ida ao Rio de Janeiro,
sua primeira viagem de avião e a primeira vez que se afastava da família, que além
do filho, criava dois netos.
Benedito Ferreira do Nascimento era uma pessoa séria e, para
muitos, sisuda, porém católico praticante, tanto que foi membro do grupo de
homens da Associação São João Bosco, que tratava de trabalhos sociais voltados
para os mais carentes; honesto e metódico, não gritava nem ameaçava, mas seu
olhar dizia o que ele pensava. Não aceitava injustiça.
Seu meio de transporte desde os primeiros anos foi sempre uma
bicicleta Monark com a qual percorria a cidade e carregava seus instrumentos de
trabalho.
Após a aposentadoria se dedicou ao empreendedorismo e
adquiriu seu primeiro automóvel na Loja dos Irmãos Zagury, que representavam a
marca Chevrolet no Amapá e em seguida adquiriu mais três carros e criou uma
frota de táxi, onde seus motoristas eram amigos e recebiam suas comissões em
dia. Tudo era anotado em seus cadernos, da conta de luz às compras nos
supermercados.
Pagava seus credores em dia, desesperava-se com as cobranças,
porém a aposentadoria não lhe fez bem, pois por ter tempo livre demais passou a
cuidar de plantas e durante a podagem de um abacateiro, com a quebra de um
galho, machucou a virilha e trouxe o mau do século para sua vida. Um câncer de próstata
que lhe ceifaria a vida.
Foi um tratamento longo e dolorido, pois no Amapá não havia
nenhuma estrutura para atender esse tipo de doenças, somente no Pará,
e a hemodiálise se tornou o único meio de mantê-lo vivo; foram infindáveis viagens
a Belém, com fretes de avião.
A luta foi inglória, mesmo com o esforço sobre-humano de
profissionais da época.
Benedito Ferreira do Nascimento faleceu em sua residência no
dia 30 de abril de 1985. Não viu o Amapá se transformar em Estado.
Mestre Bené, deixou no Amapá a marca de seu trabalho.
Mesmo autodidata e semianalfabeto curtia de Roberto Carlos a
Mozart e adorava beber seu Whisky ouvindo uma sanfona ou um violino na velha
vitrola da sala de visita, onde recebia a todos com elegância e educação.
Seu domingo era sagrado para a família, com quem o almoço reunido com todos, era importante.
Texto do jornalista
Reinaldo Coelho – neto do biografado – publicado na edição 621, do Jornal
Tribuna Amapaense, devidamente adaptado para o blog Porta-Retrato, com a devida
anuência do autor.
Fonte: Jornal Tribuna Amapaense
NOTA DO EDITOR
Quando trabalhei na ICOMI, no período de 1970/77, tive a honra de conhecer o Sr. Benedito Nascimento e posso confirmar muitas das coisas narradas no texto. Ele foi, sem dúvida, um grande homem! João Lázaro.
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