GERTRUDES SATURNINO LOUREIRO, filha de Ciriaco Manuel Saturnino e Izabel Maria de Nazareth, foi a única filha mulher de uma família de seis irmãos: Serafim, Nazário, João, José Cirilo e Bernardino. Mulher negra, aguerrida, filha de negros escravizados, nasceu em terras amapaenses, (Macapá), no dia 08 de dezembro de 1899. Em 18 de maio de 1918, contraiu seu primeiro casamento com Hyppólito da Silva Gaia, passando a ter o nome de Gertrudes da Silva Gaia. Desde criança sempre foi uma pessoa ativa, de personalidade forte, perseverante, dinâmica, extrovertida, que lutava muito pelo que queria e acreditava, isso de certa forma, contribuiu para a sua separação. Anos mais tarde, constituiu nova família com Raimundo Pereira da Silva, (Capa Branca), com quem teve cinco filhos: Mamédio, Natalina, Sebastião, Maria José e Izabel.
O espírito
combativo, de coragem e de liberdade que norteava sua vida não admitia nem
aceitava a submissão imposta, na época e contrariando as ideias e a vontade de
seu marido, passou por uma nova separação. Assumindo o desafio de cuidar
sozinha de seus filhos, exercia as mais diversas e humildes atividades:
doméstica, lavadeira, cozinheira, pela sobrevivência da família. Gertrudes foi
parteira, ajudando muitas mães a dar à luz seus filhos; foi benzedeira e com
seu conhecimento sobre as ervas e plantas medicinais, fazia seus remédios
caseiros, garrafadas, chás e outros.
Mulher,
Negra e Separada, numa época em que o preconceito na sociedade era muito forte,
sofreu e carregou as desvantagens de um sistema injusto, preconceituoso e
racista, mas lutou muito para romper barreiras e conquistar espaços. Foi assim
que quando do remanejamento das famílias da Rua da Frente da cidade onde
moravam, Gertrudes se recusou em ir com a maioria para o Laguinho e decidiu
integrar o grupo menor das famílias negras e ir fixar sua residência na Favela,
para onde levaram na bagagem a coragem, a força, a resistência, a fé, a
religiosidade.
E o
Marabaixo, com o culto e louvor à Santíssima Trindade pelos inocentes foi
levado e se fortaleceu naquele bairro, sustentado pela fé das famílias
Gertrudes, Congó, Pedro e Raimunda Costa e outros que sempre incentivavam e
apoiavam esse legado cultural. Essa separação dos negros foi triste e lamentada
e foi muito cantada nos ladrões do Marabaixo, Gertrudes cantava assim:
“PELO JEITO
QUE ESTOU VENDO
QUEREM ME
DEIXAR SOZINHA
VOU COM UNS
PARA A FAVELA
OS OUTROS
VÃO PRO LAGUINHO”.
A vida e as
realizações não foram fáceis para os negros de um núcleo populacional negado
pelas autoridades e que nunca se configurou de direito como um bairro. Mas,
mesmo com essa negação e sem o reconhecimento, o Bairro da Favela, existiu de
fato, e ainda hoje é vivo na memória, na história e nas tradições culturais da
cidade de Macapá persistindo no imaginário popular do amapaense, especialmente
dos que ali viveram.
Gertrudes
exerceu importante liderança no Bairro e uma das precursoras do Marabaixo na
Favela. Foi uma grande mulher à frente de seu tempo. Cantava, dançava, tocava
caixa de Marabaixo com uma maestria ímpar. Criou o quadro de sócio da
“Santíssima Trindade dos Inocentes” que foi uma forma prática e criativa de
garantir a realização anual da festividade no Bairro, pois quando não havia
promesseiros, usavam o livro de sócios e tiravam o pilor (sorteio) dos
festeiros e dos novenários que seriam os responsáveis dos festejos do ano.
Incentivava e despertava nas crianças e jovens o gosto pelo Marabaixo; todas as
tardes reunia seus filhos, sobrinhos, netos e filhos de amigos e conhecidos e
os ensinava a tocar caixa, cantar o ladrão e dançar o marabaixo. Essa sua
prática certamente contribuiu para fortalecer a cultura dessa manifestação no
Bairro.
Dona
Gertrudes morreu no dia 07 de setembro de 1973, aos 74 anos, vitimada por um
AVC, deixando aos seus descendentes esse legado como herança a ser cultivada e
perpetuada.
Biografia e
foto de Edgar Rodrigues – jornalista e pesquisador amapaense.
Via Facebook
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