O pioneiro, Arlindo Eduardo
Correia, chegou à cidade de Amapá, em 1921, já com a patente de Coronel da
Guarda Nacional, levando em mãos uma carta de apresentação feita pelo Capitão
Polidoro Rodrigues Coelho, endereçada ao Coronel João Franklin Távora,
fazendeiro de centenas de cabeças de gado e chefe político do Município.
Arlindo Eduardo Correia nasceu na
cidade de Caucaia (antiga Souza) CE, em 13 de outubro de 1889. Cidadão trabalhador
e cheio de vontade de vencer, solicitou a Franklin Távora que o apresentasse às
autoridades do lugar, onde negociou a compra de um pedaço de terras na
localidade Cruzeiro, dedicando-se ao plantio de cana de açúcar, verduras,
legumes e árvores frutíferas. Um ano depois residia numa casa por ele construída,
administrando o primeiro engenho de açúcar no Município. Em 1922 conheceu
Romilda Gomes e com ela se casou no dia 15 de julho de 1923 e viveram juntos 53
anos, até que a morte os separou. Arlindo Correia investiu seus lucros na compra
de terras no lugar Igarapé Novo e lá foi colocando as reses que adquiria. Chamou
sua gente do Ceará e foi assentando nos "tesos"(1) existentes nos
lagos da área de sua propriedade, dando a cada chefe de família algumas vacas e
um touro para tomarem conta. Esses "retiros" foram prosperando, para
satisfação de Arlindo Correia, que implantara o método de trabalho em parceria,
doando, anualmente, um percentual por bezerros nascidos. A forma de tratar as
pessoas, fossem familiares, empregados ou da comunidade, transformou-o num
líder, passando a tomar parte nas decisões administrativas e políticas do
Município. A sua participação na revolta contra as arbitrariedades praticadas pelo
Juiz de Direito Dr. Leprout Brício e pelo Intendente Dr. Renato Savanah, foi
decisiva. O Coronel Arlindo reuniu com o Capitão Farias, Major Távora, Noé
Andrade, o tabelião Ancelmo e decidiram escrever ao Coronel João Franklim Távora,
já residindo em Belém, solicitando sua interferência junto ao Governador para solucionar
o problema. Enquanto isso, a situação piorava em razão da denúncia feita por Ancelmo
Vieira, publicada nos jornais "A Gazeta" e ''Província do Pará"
contra as violências praticadas na qual dizia: "Esses senhores por serem
contrários à política do Governador foram deportados para o Amapá e a reação
deles é contra o povo que nada tem com isso. São uns doentes mentais". O
Intendente mandou prender a ferros Ancelmo e Noé Andrade por reagir contra a prisão,
desrespeitaram a família de Ancelmo. A resposta de Franklin Távora foi
lacônica: "Não há interesse do Governador em trazer esses senhores para
Belém. Só quero ver se não existem homens no Amapá ... “. Desta forma o Coronel
Arlindo convocou todos os líderes em sua residência e decidiram tirar da prisão
os senhores Noé Andrade e Ancelmo e, no dia 17 de dezembro de 1926, o Capitão
Farias, fazendeiro; Martinho José Barreto, criador; João Anastácio dos Santos,
dentista; Agripino Murta, ex-cabo do Exército; Júlio Pontes, criador, e
diversos pequenos criadores e seus caseiros chegam à cidade, se dividem em
grupos e, conforme o plano traçado, cercam as residências das autoridades enquanto
Arlindo e seus caseiros invadem a cadeia e soltam os dois injustiçados Noé e Ancelmo
e, no lugar deles, são colocados o Intendente, o Juiz, o Chefe de Polícia e o
Tabelião Américo. O fazendeiro Noé Andrade recebeu a missão de levar ao
Governador, através de carta assinada por Arlindo comunicando os fatos,
alertando que qualquer reação armada do governo resultaria em sentença de morte
dos prisioneiros e de centenas de amapaenses. O navio D. Pedro II chegou no
Amapá no dia 9 de fevereiro e foi obrigado a lançar âncora abaixo do
"encruzo". O comandante foi autorizado a desembarcar os representantes
do governo, no total de cinco pessoas, entre os quais estavam Dr. Francisco
Monteiro, major Nalasco e o tenente Machado.
Após o encontro desses senhores com
os líderes revolucionários, foram aceitas as propostas destes e embarcados os
prisioneiros e familiares para Belém, assumindo a Intendência o Dr. Francisco
Monteiro, o major Nolasco a Delegacia de Polícia e o tenente Machado passou a
exercer as funções de tabelião. Os fazendeiros Coronel Arlindo Correia e o
Capitão Farias comentaram desconfiados a facilidade com que foram aceitas as
condições dos revoltosos. Isso tinha cheiro de traição, disse Arlindo a seu
amigo Agripino Murta. As novas autoridades se aproximaram da população e
começaram a adquirir confiança.
Mesmo assim, quando Arlindo recebeu
o convite do intendente para participar dos festejos do "Divino Espírito Santo",
desculpou-se e mandou uma rês para o leilão. O Coronel soube que tinha chegado
ao Amapá um grupo de homens da Polícia Militar do Pará e estava sempre desconfiado.
O que Arlindo e Farias temiam, aconteceu.
Durante a animação da festa regada
de refrescos, bolos, "pinga" e a competição nos lances dos objetos
leiloados, Dr. Francisco, Major Nolasco e Ten. Machado percorriam sorridentes,
cumprimentando as famílias e, sem qualquer vislumbre de suspeita, convidavam
para um licor e uma pequena ceia na casa do Major. Quando houve a demora de retorno
ao arraial, para surpresa de todos, estavam os líderes aprisionados. Houve a
tentativa de reação, mas o plano fora bem urdido. Precisavam dar uma lição
nesses amapaenses de narizes arrebitados. Agripino Murta conseguiu fugir,
partindo em direção à casa do Coronel Arlindo, sugerindo que fugisse imediatamente,
porque as autoridades consideravam-no o principal lider. Arlindo juntou seus
homens de confiança, deu instruções para a guarda de sua família e a defesa da
fazenda e partiu em direção ao Lourenço, acompanhado de seus empregados
Lauriano de Moraes e Manoel Paulo. No dia 27 de maio de 1927, chega às terras do
Coronel uma patrulha composta de 12 soldados, 7 cabos, 1 sargento, 1 tenente e
3 elementos da cidade considerados traidores. Não encontrando Arlindo,
prenderam a sua esposa Dona Ronilda e suas filhas de criação Josefa da Silva
Ferreira e Maria Gomes da Silva em um quarto, enquanto os soldados vasculhavam
toda a casa em busca de riquezas e destruíram móveis e objetos de uso pessoal.
A depredação continuou com a matança de reses, espancamento dos empregados e
destruição de cercas. Após essa devastação, partiram no rastro do fugitivo. Não
foi possível prendê-lo porque seus arrugos, liderados por Agripino, já se
encontravam em Calçoene com um grupo de 26 homens e a francesa de Caiena Madame
Olivia e sua empregada, que acompanharam o lider revolucionário até Lourenço,
instalando-se no lugar denominado Lataia.
Enquanto isso acontecia, os
Tenentes-Coronéis Zacarias Limeira e Otavio Accioly Ramos, este exercendo o
cargo de Intendente de Macapá, se juntaram a Franklim Távora e outros membros
importantes da Guarda Nacional de Macapá e Belém, exigindo do Governador Camilo
Salgado e, no mês de outubro de 1927, conseguiram terminar com as perseguições.
Arlindo enviou Lauriano com instruções para Dona Romilda e iniciou a
recuperação da fazenda e somente retomou no início do mês de dezembro, quando
visitou a casa de todos os seus amigos que participaram de sua odisseia com valentia
e lealdade, entre esses Lauriano Morais, Leovegildo Costa, os irmãos Raimundo e
Francisco Camelo, Teodósio da Silva, Manoel Caxias, Domingos de Abreu e o velho
Palmerim.
Levou para residir na sua casa a
francesa madame Olívia e sua empregada que lá permaneceu até seus últimos dias.
Após cumprir todos esses compromissos, iniciou melhoria dos casos dos
vaqueiros, dividiu em retiros e chamou os seus amigos Laureano, Leovegildo,
Raimundo Camelo, Chico Camelo, Domingos de Abreu e Teodósio e entregou a cada
um deles 10 vacas, 1 touro, 2 éguas, porcos, carneiros e aves para
administrarem. Seu prestígio atravessou as fronteiras do Amapá e até mesmo o título
de Coronel ele não perdeu quando o Presidente Marechal Hermes da Fonseca
extinguiu a Guarda Nacional. Arlindo Correia a foi nomeado Prefeito de Amapá no
período de 1930 a 1932, pelo Governador Coronel Magalhães Barata, tendo
Agripino Murta como Secretário.
Em 1950, visitando suas terras
auríferas no Lataia, descobriu o filão "Escada de Ouro", entregando a
administração a seu sobrinho Moacir Gadelha. Com a criação do Território do Amapá
foi reconhecido como líder pelo Governador Janary Nunes, que levava a Arlindo
todas as decisões tomadas que envolvessem o Amapá. A personalidade séria do
Coronel Arlindo Eduardo Correia impunha respeito. Não era temido, era admirado.
O casarão do Igarapé Novo, com Dona Romilda, seus filhos Edilson, Laércio,
Maria das Dores, Delfina, EIson, Edson, Maria do Espírito Santo e Áurea, os
caseiros, madame Olívia recebiam a todos que ali chegavam de braços abertos. Os
prefeitos do Amapá tinham em Arlindo um conselheiro, e o Governador Janary, o
deputado Coaracy, os Promotores João Telles e Hildemar Maia, os Juízes Uriel Sales,
Jarbas Cavalcante e Aurélio Buarque dedicavam a maior estima ao "último
dos coronéis". Em 1944, trouxe do Ceará o seu primo Francisco Francine
Cavalcante que passou a colaborar na administração da fazenda. Adquiriu uma casa
em Macapá para acomodação dos netos estudantes, de 2 filhas que já trabalhavam
e para se hospedar quando vinha tratar de negócios.
Arlindo Correia faleceu no
dia 5 de julho de 1986, com 97 anos, cercado da esposa, filhos, netos, bisnetos
e centenas de amigos que foram dar o adeus a um dos mais ilustres personagens
do Amapá: O último dos coronéis.
Fonte: Livro "Personagens Ilustres do Amapá, Vol. 1" de Coaracy Sobreira Barbosa - Edição de 1997.
(1) Parte elevada do terreno que, numa superfície inundada, fica acima do nível das águas