sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Foto Memória de Macapá: O casarão de Dona Sofia Mendes Coutinho

Texto: Nilson Montoril de Araújo
"O casarão do casal João de Azevedo Coutinho e Sofia Mendes Coutinho, edificado na esquina da Avenida General Maximiano Antunes Gurjão e a Rua São José era o prédio particular mais bonito da velha cidade de Macapá. 
Seus proprietários integravam famílias tradicionalíssimas e de elevado conceito. João de Azevedo Coutinho descendia do clã liderado pelo Coronel Matheus de Azevedo Coutinho e dona Sofia provinha do tronco familiar cuja figura maior era o Coronel Manuel Theodoro Mendes, cidadão que comandou a guarnição da Fortaleza São José, foi um dos mais destacados Intendentes do município paraense de Macapá e destacou-se como pecuarista na região do Rio Macacoary.
O casarão foi demolido no final do ano de 1970, desapropriado pelo governo do Território Federal do Amapá para permitir a modernização urbanística do centro de Macapá. O terreno se estendia desde a Rua São José até a antiga Rua dos Inocentes, atual Passagem Rio Branco, que liga a Rua General Gurjão ao propalado Largo do Formigueiro. Era mais comprido do que largo. 
De frente para o velho Largo da Matriz, à margem da Rua São José, tinha à sua esquerda uma área anexa ao Senado da Câmara, que abrigou por pouco tempo a sede do Panair Esporte Clube, mas atualmente pertence à Telefônica OI.
O majestoso imóvel, edificado em taipa de pilão, possuía cômodos amplos, um deles alugado à Prefeitura Municipal para acomodar a Escola Primária da cidade de Macapá. Em meados da década de 1950, o citado ambiente passou a abrigar a Secretaria do Colégio Amapaense, cujo prédio ainda estava em construção. Esta ampla sala ficava à esquerda da entrada do casarão, tinha instalações sanitárias e acesso para a Avenida General Gurjão. No lado direito de quem ingressava na “Casa da Tia Sofia” ficavam os quartos, copa, cozinha, dispensa para gêneros alimentícios, depósito para lenha e carvão, forno e galinheiro.
O vasto quintal tinha inúmeras árvores frutíferas, plantas medicinais e decorativas, além de um poço com sarilho. Lembro de um portão existente no cercado paralelo à Rua General Gurjão, posicionado de frente para a casa dos meus pais. Era difícil acontecer, mas as vezes Dona Sofia valia-se da passagem para ir em casa conversar com minha mãe Olga Montoril de Araújo, quase sempre para fazer fuxico contra mim. Ela costumava ficar sentada na sacada do seu quarto bisbilhotando tudo que acontecia na área que hoje abriga o Teatro das Bacabeiras, onde havia um campo de futebol.
Ali passávamos a tarde jogando bola, empinando papagaio e disputando peteca. Quase todos os dias, por volta das 16 horas, Dona Sofia me chamava, entregava um recipiente envolto em papel de embrulho e pedia para que fosse até o comércio do Duca Serra (Emanuel Serra e Silva) buscar uma encomenda. Em troca pelo recado eu recebia um cruzeiro. A recomendação era para eu não desembrulhar o frasco. Seu Duca recebia o vasilhame, mandava que eu esperasse do lado de fora da venda e depois me chamava. Durante anos eu tentei saber qual era o segredo daquela compra. Somente há pouco tempo a Palmira Mendes Coutinho, uma de suas filhas, revelou que era cachaça alvorada, usada por Dona Sofia para preparar um delicioso licor de jenipapo. A cerca do terreno era de hastes de acapu, madeira super-resistente, que ainda estava bem conservada quando ocorreu a desapropriação da área.
Ao longo dela, pelo lado externo, havia melões de São Caetano e muito gengibre. Meus vizinhos que participavam das festas do Marabaixo colhiam à vontade para o preparo da gengibirra. Conheci o casarão em detalhes, haja vista que, em inúmeras oportunidades fui convocado para apanhar goiabas, mamões e cajus. Eu comia mais goiaba do que colocava na sacola feita de saco de sal. Dona Sofia e Seu João Coutinho geraram três excelentes criaturas: Raimunda Mendes Coutinho, a Professora Guita, José Mendes Coutinho e Palmira Mendes Coutinho. Convivi com os três, todos amigos dos meus pais. Dos seus familiares, apenas o neto Círio de Nazaré Menezes Coutinho recebeu da avó a autorização para construir sua residência na nobre área, onde sua viúva ainda mora. No restante do espaço há um prédio das Lojas Kennedy e da Telefônica OI."
(Texto original do historiador Nilson Montoril, sob o título: Recordações da minha infância – o casarão de Sofia Mendes, publicado em 06/08/2016, no jornal “Diário do Amapá”)

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