domingo, 3 de março de 2024

MEMÓRIA CULTURAL DO AMAPÁ - DONA FELÍCIA – PRIMEIRA COSTUREIRA DOS BOÊMIOS DO LAGUINHO

Foto: Blog da Alcilene (Reprodução)

MARIA FELÍCIA CARDOSO RAMOS, nasceu em 24 de fevereiro de 1928, filha de José Monteiro Cardoso e Izabel Macedo Cardoso. Os avós maternos dela, eram o português Marçal Rodrigues Macedo e Custódia do Nascimento Macedo. Dona Custódia, foi escrava; ela nasceu em 5 de abril de 1892. Tia Felícia nasceu no Igarapé do Lago e foi registrada em Macapá. O filho do proprietário da Dona Custódia, a “desfez moça” por isso o dono dela a alforriou e fez o filho se casar com ela. Eles moravam no engenho em Mazagão Velho, município do Amapá, de maioria afrodescendente, área de forte conservação da cultura de base africana, mas foram expulsos de lá, indo morar no Igarapé do Lago – distrito de Santana, segundo maior município do Estado do Amapá e território de maioria afrodescendente.

Tia Felícia morou no centro comercial antigo de Macapá, onde hoje é a residência do governador. De lá os pais dela foram morar no Laguinho, e Tia Felícia foi morar em Belém-PA, onde aprendeu a costurar. Depois voltou para Macapá, casou-se com o Sr.José Libório Ramos, maquis conhecido por Matapi – religioso de cultos afros da umbanda e espiritismo - um dos 13 que fundaram a primeira escola de samba do Amapá, na esquina da Av. rua Mãe Luzia com a Eliezer Levy, com quem teve 16 filhos;

Costurar  era a profissão dela, o que fazia com  muito amor; foi dessa forma que conseguiu sustentar os filhos, principalmente depois que ficou viúva.

Tia Felícia tornou-se a costureira mais famosa do bairro; costurou 48 anos para a Escola de Samba Boêmios do Laguinho.

Ela começou a dançar Marabaixo depois de viúva, na casa do Mestre Julião; também gostava do batuque do Igarapé do Lago, já que sua descendência era de lá.

Tia Fé veio ao mundo quando Macapá. começava a abrir os olhos, e os negros iniciavam as vidas na Favela e no Laguinho, debaixo de todo o misticismo enraizado no sangue e na alma, como todos os descendentes dos escravizados africanos que aportaram em Mazagão.

Bordou e costurou na mão, pedra por pedra, lantejoula e brilho, as mais lindas roupas de destaques, rainhas da bateria e principalmente mestres-salas e porta-bandeiras da Nação Negra, que reforçaram sua fama com as inevitáveis notas 10. Quem frequentava a casa na General Osório, onde morou até partir, lembra das roupas reluzentes e luxuosas feitas por Tia Fé, penduradas em cabides, e de seu ritual pré-carnaval, de bordar a roupa no corpo dos principais artistas do Laguinho.

Contam os amigos que o mestre-sala Amaral, danado por natureza, era “guardado” por Tia Fé, na véspera do desfile para evitar qualquer situação que colocasse em risco a apresentação. Só era liberado para chegar na avenida Fab e dar o show que garantia a nota máxima no quesito. Tanto trabalho para bordar cada detalhe não a impedia de sair em sua escola do coração, e mesmo cansada, arrumava forças para rodar a saia na ala das baianas. Passado o carnaval, lá vinha Tia Fé com as flores na cabeça, emoldurar o cenário colorido das rodas de marabaixo, dançando até o fim, cantando os versos com os quais dona Isabel embalava os moleques da casa. Pelas contas dos mais antigos, embaraçadas na memória, a última porta-bandeira que teve a roupa bordada pela Tesoura de Ouro foi a Nega, que rodopiava com Amaral levando a bandeira vermelha e branca na cintura.

Mãe, marabaixeira, avó que criou os netos como filhos.

Maria Felícia Cardoso Ramos, primeira costureira da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho, nos deixou em 2014, aos 86 anos de idade.

Fontes de pesquisa: Livros > Marabaixo, dança afrodescendente: significando a identidade étnica do negro amapaense – Piedade  Lino Videira e texto de Marileia Maciel publicado em 11 de março de 2014 no blog da Alcilene Cavalcante, sob o título: “Tia Fé, Tantam de Ouro faz seu última desfile no Laguinho”

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