segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

MEMÓRIAS DO CARNAVAL AMAPAENSE - CADÊ O REI?

PREOCUPAÇÕES DA CORTE:

Sucuriju, o Rei Momo ainda sem sucessor.

O reinado do Carnaval do Amapá continua vazio. O mesmo ocorreu com a morte de Sacaca em 1999, aos 73 anos de idade.

Somente em 2003 é que Sucuriju ocupa o trono. Um vazio inexplicado.

CADÊ O REI?

Texto: Édi Prado e João Lázaro

Quem é o Rei Momo?

O querido personagem, rechonchudo e irreverente é historicamente o rei do Carnaval. “A ele são entregues, simbolicamente, as chaves da cidade pelas mãos do prefeito. A partir daí está aberto o reinado da folia, onde Momo reina absoluto até a Quarta-Feira de Cinzas. Isso em todas as esferas da sociedade, já que ele próprio é a personificação do Estado”, explica Augusto Neves, professor e doutor em história.

Origem da personagem

A origem remete ao tempo da Antiguidade Clássica, mais especificamente à mitologia grega. Pouca gente sabe, mas Momo, na verdade, era uma deusa. Filha de Nix (divindade do sono) era a personificação do sarcasmo, reclamação e delírio, patrona dos poetas e escritores. Ela era representada usando uma máscara e balançando guizos. Por seu jeito irônico, acabou sendo expulsa do Olimpo.

Não se sabe ao certo em que momento houve a mudança de gênero do personagem. “As representações sofrem transformações ao longo do tempo. Mediante o contexto de um paradigma patriarcal, melhor seria um homem para representar as relações de poder”, explica Rúbia Lóssio, socióloga, escritora folclorista e professora e membro da Organização Internacional de Arte Popular e Folclore (IOV).(uninabuco)

Pela carência de material de pesquisas a respeito do Carnaval Amapaense, ainda não encontramos catalogados os Reis Momos de Macapá. Sabemos que o carnaval começa a partir de 1943, quando o Amapá é desmembrado do Estado do Pará e criado o Território Federal do Amapá. Com a chegada de operários e trabalhadores de várias áreas de atuação, trazidos pelo então interventor, Janary Gentil Nunes, os trabalhadores de outros Estados, em especial os do Pará, acostumados à folia, decidiram “botar o bloco na rua”.

Com o tempo o carnaval foi se organizando, criando os blocos de sujos, Escolas de Samba, bandas, mascarados, carnaval de salão e toda a alegria dessa época. Os primeiros Reis Momos, lembrados pela velha guarda, sem firmeza de datas, começou na década de 60. Os precursores, imitações dos grandes centros, foram Altair Lemos, boêmio de nascença, um senhor alto, branco e bem forte, que morava no Laguinho, berço da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho, fundado em 02 de janeiro de 1954. Altair Lemos faleceu em 1969. Foi então que o Bola 7 assumiu o trono. Era um negro forte, tratorista da Prefeitura Municipal de Macapá, que fez por muitos anos a coleta de lixo domiciliar de Macapá. Nada oficializado. Tudo na base do faz de conta, embora considerados pelos brincantes. A voz do Povo é a voz de Deus, diz o Velho Deitado.

Quem foi Altair Lemos?

Altair Cavalcante Lemos, nasceu em 11 de janeiro de 1932, em Macapá. Filho de Cícero Lemos e Carmosina Cavalcante Lemos, primeira mulher a ser tabeliã no Cartório Jucá. ALTAIR teve dois irmãos, Altamir e Maria da Consolação, já falecidos. Altair Lemos foi um dos precursores ambientalistas no Amapá. Quando funcionário da Prefeitura de Macapá, foi um dos criadores da “Turma do Buraco”,. Nada a ver com o carteado. Reuniu estudantes do Colégio Amapaense e plantaram as primeiras mangueiras no centro de Macapá. Fizeram a arborização da Praça "Barão do Rio Branco", avenidas Presidente Vargas, Mendonça Furtado, Iracema Carvão Nunes, entre outras.

Altair também gostava de jogar baralho com os amigos. Foi da mesa do carteado, jogado nos finais de semana na sede do Amapá Clube, que junto com Amujacy, Jarbas Gato, Zé Maria Frota e Aderbal Lacerda, saíram em uma manhã do carnaval de 1965, fantasiados com roupas, perucas e maquiagens das esposas para as ruas do centro de Macapá

Com uma enorme faixa escrito BLOCO DOS INOCENTES, os amigos barbarizaram a terça-feira gorda e chamaram a atenção por onde passavam.  Em 1964, os mesmos amigos “INOCENTES” criaram o Bloco A BANDA. Por seu porte físico, ALTAIR foi coroado como o REI MOMO DO CARNAVAL. O 1º na história do carnaval amapaense, diga-se.

Em maio de 1954, ALTAIR se casou com Graça Lemos, com quem teve cinco filhos: Nilton Mauro, Paulo Cezar, Antônio Sérgio, Gláucia Maria e Tica Lemos. Paulo Cezar, conhecido como Paulão que também brilhou nas quadras como jogador de basquete, faleceu em junho de 2002.

Em dezembro de 1969, ALTAIR sofreu um enfarte. Foi levado para Belém, mas, na tarde do dia 28 de dezembro, não resistiu a uma parada cardíaca e faleceu, aos 37 anos. (blog porta-retrato)

Imagem: WEB

Não se sabe ao certo quando o Raimundo dos Santos Souza, o Sacaca, foi coroado. 

Foto: blog De Rocha (Reprodução)

Aí começou de direito o reinado Momo, sendo oficializado pelo prefeito. 

Mas o reinado de Sacaca ao lado da Alice Gorda, Rainha Moma, foi longevo. Ele morreu em 1999, aos 73 anos de idade e somente em 2003, que Raimundo Tavares, o Sucuriju, assume o trono. Sucuriju nasceu em 23/03/1953 e faleceu em 03/02/2023, aos 69 anos.”Papai era registrado somente no nome da minha avó, Francisca Azevedo Tavares”. "Mas era feliz e um filho dedicado", informa a filha Heliane, mais conhecida tanto em casa como na comunidade por Preta. “Acho bem carinhoso quando me chamam assim”, confessa. Foi ela quem se prontificou a nos conceder a entrevista.

Sucuriju era casado com Dani Costa Tavares, com quem teve cinco filhos: Denilson, Heliane (Preta), Raimundo ( Mikiba), HelenaWilliam Tavares. Conheceu e conviveu com os nove netos. “A mamãe faleceu em 2013. Depois ele arrumou uma namorada. O nome dela é Luciene”, relata Preta. Ele era funcionário da prefeitura, desempenhava a função de motorista. Em outubro de 2020 ele passou na transposição para o quadro federal.

Preta lembra com saudades e risos do pai:” Meu pai sempre foi muito amigo de todos. Sempre tivemos hóspedes em nossa casa. Tanto para morar, passar uma noite, alguns dias ou somente para passar o dia em nossa casa. Era festeiro. Ele amava ter a casa sempre cheia. Era amigo para as horas boas e para momentos ruins. E não era por um momento, foi à vida toda”, recorda Preta. "Nunca tivemos panelas de tamanho normal em nossa casa. Sempre foram panelões. Porque sempre chegava alguém sem precisar por mais água no feijão," brinca Preta.

Ele era funcionário da prefeitura, desempenhava a função de motorista. Em outubro de 2020 ele passou na transposição para o quadro federal. Preta adianta que nesse período não sentiam a ausência dele durante o exercício do “reinado”, devido aos inúmeros compromissos. “Nós também íamos juntos, participar, entrar na onda”, relembra.

"Moramos por muito tempo na casa da minha avó paterna no Jesus de Nazaré, na Avenida Padre Manoel da Nóbrega. Depois moramos na casa da minha avó materna no Centro, na avenida Presidente Vargas. Depois moramos na avenida Marcílio Dias bem de esquina com a rua Odilardo Silva, de onde tivemos que sair às pressas devido a um aterramento mal planejado e nossa casa começou a tombar. Ficamos sem casa e voltamos a morar na casa da minha avó paterna e depois materna, acabamos fazendo o mesmo trajeto anterior. Ninguém sossegava até que em 1985 nos mudamos para o bairro Jardim Felicidade." Era um bairro novo. Tudo estava começando. Pouquíssimos moradores. Não tinha nem energia elétrica, água só do poço amazônico.  “Recomeçamos do zero em uma casa emprestada pelo meu padrinho, Alceu Paulo Ramos”, narra Preta.

"Nós sempre vivemos tudo junto com ele. Participávamos do máximo possível. Em casa reunia um grupo de casais, juntamente com alguns amigos. Reuniam-se em casa todos os finais de semana. Nesses encontros o papai deu a ideia de fundar uma escola de samba e ele falava nesse assunto todas as vezes que estavam juntos."

Até que todos concordaram e em julho de 1987 foi fundada a Escola de Samba Mocidade Independente Jardim Felicidade. “Papai foi um sambista precoce, juntamente com o Neck”. Desde os nove anos já era passista dos Boêmios do Laguinho. E foi se especializando. Era baterista, mestre de bateria, passista, mestre sala. Nossa casa era samba o ano inteiro.

Preta fala com orgulho pelo fato de Sucuriju ter sido um dos fundadores da União dos Negros do Amapá (UNA), em 1988 quando do Centenário da Abolição da Escravatura. Durante a missa, realizada na Igreja de São Benedito, “quando o papai fez uma bela performance. Foi lindo. Memorável”, relembra.

"Na Escola Mocidade Independente Jardim Felicidade, Sucurijú foi mestre sala, presidente, vice-presidente, ele foi de tudo um pouco. Tipo o jogador que bate escanteio, corre para cabecear e ainda agarrar a bola. Versátil, múltiplo e com vigor e alegria," ilustra Preta.

Sucuriju viveu intensamente. Era menino da Sede dos Escoteiros do Laguinho, jogava bola no Bariri, onde hoje é a União dos Negros do Amapá – UNA – No Campo do América, atual Praça Chico Noé. Vivia na sede dos Boêmios. Veio de uma família pobre e foi Rei. Rei da alegria, da união, solidariedade, da Mocidade, dos Boêmios. Foi o Rei do Carnaval durante 20 anos. Hoje fazemos essa homenagem póstuma, no reino do carnaval de 2024.

  (13/02/2024 - Atualizado às 10h30)

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