terça-feira, 12 de março de 2019

Meio Ambiente: Bosques de aturiá - A cortina verde em frente à cidade

Édi Prado *
Quem é ou mora há muito tempo em Macapá olha, mas não vê os bosques que se multiplicam em frente à cidade. Eles começaram a se formar logo após a construção do Trapiche Municipal. Começou a ser construído em 1936 pelo então prefeito Eliezer Levy, contudo a inauguração aconteceu somente em 1945, quando o prefeito estava no segundo mandato.
O projeto de construção, inicialmente foi submetido à Marinha Brasileira, que inviabilizou a obra, prevendo exatamente aquilo que aconteceu após a inauguração.
Não foi de imediato. Mas era preciso uma prevenção. O local por ser raso e pela bravura avassaladora das águas, não oferecia segurança nem condições de atracação das embarcações oriundas das outras cidades amazônicas. Ocorria o rápido assoreamento do Rio Amazonas, ou seja, o acúmulo de terra ou barro do leito nas vazantes, que impediria a atracação de barcos, durante a maré baixa. 
Como se observa na foto de 1958, quando da chegada dos corpos carbonizados de autoridades do então Território do Amapá, várias “maternidades” em forma de touceiras se formando. “Maternidade” é o termo técnico que os biólogos chamam as touceiras de aturiás e outras vegetações, durante a formação.
A intensificação se deu com a construção do sistema de captação de água da Caesa-Companhia de Água e Esgoto do Amapá, empresa estatal, da qual o governo do Estado é o sócio majoritário.
Em 1971 foi inaugurada a primeira Estação de Tratamento de Água (ETA) no bairro do Beirol, abastecida pela Estação de Captação construída na orla da cidade, no Rio Amazonas. A segunda ETA foi construída em 1997, ao lado da primeira, e a terceira vem sendo estudada para ser construída. Todas essas obras em nenhum assessoramento técnico especializado.
“E são essas construções erguidas sem nenhum critério técnico da convivência harmônica entre a intervenção humana com a natureza, as responsáveis por trapear, ou formar armadilhas para o depósito e o transporte dos resíduos, trazidos pela maré, causando a sedimentação e o assoreamento das áreas”, explica o Mestre em biologia do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – Iepa- Salustiano Vilar da Costa Neto(UFA), reforçado pela Dra. em Geofísica Marinha (UFF), Valdenira Ferreira dos Santos e também geóloga especialista em Estudos da Amazônia.
A formação desses bosques faz parte do processo natural da hidrodinâmica nos rios do Amazonas e são alterados drasticamente quando se cria estruturas nessas áreas de várzeas, sem estudos, ignorando as correntes fluviais e de marés e a direção dos ventos.
“A tecnologia precisa ser uma aliada da natureza. Não se opor a ela. A natureza veio primeiro e precisa ser priorizada nesses projetos”, adverte a Dra. Valdenira Ferreira.
Priorizada não apenas pela questão da preservação dos ambientes, mas quando a tecnologia se opõe as forças da natureza, na maioria das vezes o homem perde.
Floresta urbana - Pelos cálculos dos moradores, esses bosques vêm se formando há mais de 56 anos e o processo de formação é irreversível. Mas não para os técnicos do Iepa, que vêm monitorando o ambiente desde maio de 2007, quando um grupo de moradores do bairro Perpétuo Socorro foi solicitar permissão para a retirada dos bosques, sob a justificativa de que o assoreamento estaria estreitando o canal, que permite o acesso às embarcações que atracam naquele porto, trazendo das ilhas do Pará e Amapá, alimentos, produção agrícola, telhas, madeira, tijolos e fazendo o transporte de cargas e passageiros. O máximo que eles conseguiram foi à licença para podas e limpeza nos pés das árvores na área, a fim de dar mais vazão ao volume d'água, explicou Salustiano Neto.
Perfil do lugar - O levantamento, registro e medição desse processo são lentos. Existem variações de velocidade da maré e direção dos ventos, explicam os especialistas. Para se emitir um parecer técnico abalizado, eles fazem o registro fotográfico em terra e coletam as fotos de satélites para elaborar o mapa em determinado período. “Os canais e os bancos de areia migram com frequência. Não existe um mapeamento fixo. Tudo depende da hidrodinâmica. Da quadratura, que é o movimento da maré de acordo com as fases da lua e outros fatores determinantes nesse processo” orientam os estudiosos.
Devagar e sempre - Eles explicam porque as pessoas que caminham, passam diariamente pela frente da cidade, deleitam-se com os ventos nos quiosques enquanto desfrutam da culinária local e sorvem os licores e nem percebem a formação desses bosques. “Olham, mas não veem” porque o processo é lento para quem se acostumou com essa nova paisagem. “Ainda é cedo para tecer um perfil e diagnosticar o futuro desses bosques. Mas a tendência é que esses blocos de bosques isolados venham colar com a floresta que está formada no Perpétuo Socorro e formar uma grande vegetação em frente a cidade”, avalia a Dra. Valdenira Ferreira.
Como otimizar o espaço? - Resta definir com outros setores, como a Secretaria Estadual e Municipal do Meio Ambiente - Sema - Ibama, Secretarias Estadual e Municipal de Turismo o que fazer para aproveitar este cenário como atração turística, laboratórios vivos e área de lazer e de contemplação do maior Rio do mundo, em forma de passarelas ou até mesmo numa espécie de tablado ou píer flutuante. “Só ver de longe já é uma paisagem intrigante, diferente e bela”.
Imaginar-se no meio dos bosques, andando sobre o Amazonas e conhecendo como se forma todo esse processo é um espetáculo e tanto para os estudiosos, cientistas, alunos e, principalmente para o turista que ficará deslumbrado com essa experiência inesquecível.
“É um projeto autossustentável que se paga em pouco tempo e pode expandir-se para outros bosques ao longo dos quilômetros de extensão, onde o Amazonas beija’ a frente da cidade de Macapá”.
Viver em harmonia - “Assim não há necessidade de conflitos. Homem e a natureza voltam a integrar-se harmoniosamente. O que não é recomendável é que as obras sejam projetadas sem a orientação técnica de especialistas em geofísica marinha, biólogos e outros especialistas afins”, adverte severamente a Dra. Valdenira Ferreira. Enquanto isso a natureza vem realizando a transformação e compondo novos cenários em frente da cidade de São José de Macapá.
O verde sem ver-te - Resta definir se tudo ficará verde sem visão para a cidade ou se “esse presente” poderá se transformar numa nova, atraente e única paisagem do Brasil, em frente do maior rio do mundo, na linha imaginária do Marco Zero do Equador”, questionam os técnicos, que apresentam propostas projetadas numa visão equacionada entre a preservação e a contemplação num projeto turístico viável e rentável.
Identificação fitoterápica
Aturiá: Drepanocarpus ferox, Machaerium ferox
Família - Leguminosas.
Sinonímia - Juquiri.
Resumo Descritivo - Cipó ou arbusto trepador.
Alternativa de Uso - Utilizado como resolutivo.
Parte usada – folhas.
Aturiá: s. m. Etim. (Tupi ‘aturi’a). Árvore leguminosa (Machaerium lunatum (L)), de ramos compridos e tortuosos, no baixo Amazonas e litoral do Pará e o Drepanocarpus ferox M., de campo de várzea da Amazônia. Esta planta ribeirinha arbustiva só vinga no estuário. Vive em família, debruçada na borda dos canais e ilhas. Tem o sinal da maré alta deixado pelo sedimento fluvial na ramaria.
Significado de aturiá
sm (tupi aturiá) 1 Bot Árvore leguminosa-papilionácea (Drepanocarpus lunatus). 2 Ornit
O mesmo que cigana, acepção 3.
Box
A opinião pública
O observador leigo pergunta por que deixaram ou permitiram que continuasse se formando verdadeiros bosques em frente da cidade ou é um processo irreversível da dinâmica natural do Amazonas?
O cenário está tirando a visão de quem chega à cidade e para quem está nela. Novos focos de outros bosques, como maternidades, estão se formando bem ao lado do trapiche municipal em toda a extensão até a Fortaleza. O que deve ser feito diante desta realidade? Qual a função desses bosques? O assoreamento e a sedimentação de terras e os entulhos trazidos pela maré estão sendo mais de contenção do que retorno.
A sua majestade, o tempo está confirmando essa tendência. Qual o destino desses bosques? A legislação não permite a retirada, uma vez que já existe um ecossistema e as condições de procriações de vários espécimes, além de pousadas para os pássaros. É possível aliar ecologia com turismo? Transformar aquelas áreas numa espécie de laboratório vivo da natureza?
Num espaço de lazer e um ponto para desfrutar da natureza? Até onde vão permitir a expansão, se é que o ser humano deve fazer essa intervenção sem causar graves consequências para o meio ambiente? Qual a importância para o ecossistema? O bosque permite e facilita a sedimentação. Assim vai rompendo a barreira de contenção ficando mais alta nivelando com a terra. Há risco de invasão do Amazonas sem a contenção? No bairro do Aturiá a erosão tem sido devastadora. O que fazer para conter a fúria do Amazonas e evitar que o Rio avance para a cidade como está ocorrendo naquele lugar?
Legendas: Fotos Erick Macias – Danda, Édi Prado
*Édi Prado – Jornalista amapaense, formado pela FACHA , Rio de Janeiro em 1982.
Pós-graduado em Administração de Empresas e pós-graduado em Marketing (CEAP).

Um comentário:

  1. Édi Prado - Excelente ilustração e edição. Só esperamos que as autoridades do País inteiro possam incluir nos projetos envolvendo a água, técnicos e especialistas, no quilate do Mestre em biologia do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá – Iepa- Salustiano Vilar da Costa Neto(UFA), e da Dra. em Geofísica Marinha (UFF), Valdenira Ferreira dos Santos e também geóloga especialista em Estudos da Amazônia, a fim de evitar essa desastre ecológico, muitos deles, com danos irreversíveis para a natureza.Este tema foi aprovado para a execução de um documentário a respeito deste tema pela Agencia Nacional do cinema - ANCINE e esperamos que possamos produzir este trabalho como forma de alerta para o Brasil , antes de executar qualquer obra envolvendo a água. Parabéns, Janjão pela grande contribuição

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