segunda-feira, 23 de junho de 2025

MEMÓRIAS DO RÁDIO AMAPAENSE > ECOS DA RÁDIO DIFUSORA DE MACAPÁ

“Menino Chorão” e os ecos da Rádio Difusora de Macapá nos anos 60

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Em meio aos sons que embalaram o cotidiano de Macapá nos anos 1960, poucos marcaram tão profundamente quanto “Menino Chorão”, do Trio Jangadeiro. 
Simples e comovente, a canção conquistou os corações dos ouvintes e tornou-se uma das mais pedidas no tradicional programa Carnet Social, transmitido todas as tardes pela Rádio Difusora de Macapá.
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Mais do que apenas uma melodia popular, “Menino Chorão” virou trilha sonora de uma época — das tardes radiadas de emoção, alegria e esperança. Hoje, resgato essa lembrança querida, que ainda ecoa viva na minha memória e, certamente, na de tantos amapaenses daquela geração.

Análise Reflexiva

Menino Chorão: Um Espelho da Infância em Dois Brasis

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A cantiga popular Menino Chorão”, composta por J. Guimarães e eternizada pelo Trio Jangadeiro, permanece viva e pungente mesmo décadas após sua criação. O lamento infantil retratado na letra ultrapassa o tempo, revelando-se hoje como um retrato fiel da infância em um Brasil ainda profundamente dividido entre riqueza e pobreza. Adaptá-la ao cenário atual é olhar com atenção para as novas formas de exclusão, os velhos silêncios e as estratégias de sobrevivência das famílias brasileiras.

Hoje, o menino chorão continua presente — nas ruas, nos condomínios, nas favelas e nas redes sociais. Ainda ouvimos choros: uns abafados por tablets de última geração, outros silenciados pela fome ou pelo medo. A diferença entre os consolos oferecidos aos filhos de ricos e pobres, como denuncia a canção, continua evidente. A criança rica, agora, é acalmada com um celular nas mãos, promessas de viagens ou brinquedos educativos. Seus pais, muitas vezes ausentes fisicamente, tentam compensar com presentes e telas aquilo que não podem — ou não sabem — oferecer em presença e escuta.

Do outro lado, o filho da classe trabalhadora — muitas vezes criado por uma mãe solo que enfrenta uma jornada tripla — é acalmado com palavras improvisadas, com ameaças simbólicas (“vou chamar o velho”, “olha o bicho”) ou simplesmente deixado a chorar, enquanto a mãe luta para pôr comida na mesa, pagar o aluguel e manter o mínimo de dignidade. A farinha para o angu, mencionada na canção, continua simbolizando aquilo que falta: não apenas alimento, mas tempo, acolhimento, estrutura.

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O trecho Dorme, menino, que eu tenho o que fazer ecoa hoje no grito silencioso de tantas mães que criam seus filhos sozinhas em meio à precariedade. Lavar, engomar, cozinhar — hoje substituídos por jornadas em aplicativos, faxinas, cuidados em casas alheias. O cuidado com os filhos, nesse cenário, é feito entre as pausas do cansaço.

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A canção também aponta para a forma como a infância pobre é muitas vezes controlada pelo medo. Em vez de diálogo ou afeto, usa-se o recurso do susto: olha o sapo cururu, olha o velho. Essa pedagogia do medo, ainda presente, reforça uma educação marcada pela urgência e pela sobrevivência, onde não há espaço para escuta ou desenvolvimento emocional.

Adaptada ao presente, Menino Chorão é mais do que uma cantiga: é um alerta. Fala sobre como as infâncias são moldadas pelas condições materiais e afetivas em que se desenrolam. Em um país onde tantas crianças vivem abaixo da linha da pobreza, a canção nos convida a pensar: o que é consolo para uma criança em um mundo desigual? Como podemos garantir uma infância digna, onde o choro seja escutado com atenção — e não silenciado por objetos ou ameaças?

Enquanto houver meninos chorando por razões que não podem dizer — por fome, solidão ou ausência — a canção seguirá atual. É nosso dever coletivo fazer com que, um dia, todas as crianças possam chorar apenas porque são crianças. E que, em vez de silenciadas, sejam acolhidas.


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