quinta-feira, 30 de outubro de 2025

MEMÓRIAS DA HISTÓRIA: O Hino do Amapá e o Legado de Fernando Canto

A memória de Fernando Canto e o dia em que o hino oficial quase se perdeu.

Em 1982, o Amapá vivia um daqueles instantes em que a história parece prender a respiração antes de um salto. O Território Federal sonhava tornar-se Estado, e o espírito coletivo era de construção e pertencimento.

Para fortalecer esse movimento, o secretário de Planejamento, Antero Lopes, instituiu uma comissão encarregada de coordenar a campanha e escolher os símbolos do futuro Estado: bandeira, brasão e hino. À mesa, nomes que uniam técnica, arte e sensibilidade: o jornalista Paulo Oliveira, o publicitário Carlos Viana, o arquiteto Chikahito Fugishima e o poeta e artista multimídia Fernando Canto.

As inscrições para bandeira e brasão chegaram em grande número. Para o hino, porém, o silêncio governou. Nenhuma proposta. O tempo apertava, e aquele vazio ameaçava transformar um momento histórico em uma pausa desafinada.

Foto montagem

Foi nessa brecha que Fernando Canto apareceu, olhos brilhando como quem acabara de encontrar um rio escondido na mata. Ele carregava consigo a Canção do Amapá, com letra de Joaquim Gomes Diniz e música do maestro Oscar Santos. Naquele instante, o Amapá ganhou a voz que buscava.

O maestro que ensinou a ouvir

Oscar Santos, lembrado com carinho por várias gerações, era mais que maestro. Era jardineiro de talentos. Chegou ao Amapá ainda nos anos 1950, trazido pela secretária de Educação Aracy Miranda de Mont’Alverne, e fez da então Escola Industrial de Macapá uma casa de música pulsante.

Rigoroso no ensino, exigia leitura de partitura e treino de ouvido. Criava disciplina e liberdade, como quem constrói asas e raízes ao mesmo tempo. De seus ensinamentos nasceram músicos como Joaquim França, Nonato Leal, Sebastião Mont’Alverne, Aimorézinho e tantos outros que moldaram a alma sonora do Estado.

Compôs mais de 560 peças. Algumas eram homenagens, como o Dobrado Epifânio Martins, feito para o diretor do colégio, e o Dobrado Os Bonequinhos, inspirado nos uniformes azuis dos alunos, que pareciam pequenas figuras de porcelana andando pelo pátio.

O poeta que semeou versos para o futuro

A letra do hino era de Joaquim Gomes Diniz, amazonense de Coari, nascido em 1893. Diniz chegou ao Amapá em 1929 e deixou marcas profundas como juiz, advogado e poeta. Elegante e culto, era visto por muitos como um verdadeiro gentleman de chapéu, cachimbo e alma literária. Morreu em 1949, mas sua poesia permaneceu, dormindo como semente à espera do tempo certo para florescer. Esse tempo seria quarenta anos depois.

A fita cassete e o desafio final

Nas vésperas da decisão, uma fita cassete surgiu como candidata ao hino, apoiada pela primeira-dama do território, Mariinha Barcellos. A obra era frágil, e o refrão exaltava um “comandante”, clara referência ao governador.

Era preciso agir com delicadeza e estratégia. Em vez de apresentar a Canção do Amapá também em fita, a equipe liderada por Fernando Canto produziu um documentário, editado em Belém, já que Macapá ainda não tinha ilha de edição. O único videocassete da cidade, emprestado do empresário Bira, da Sevel, foi o passaporte tecnológico dessa missão.

No Palácio do Governo, o contraste falou mais alto. Após ouvir a fita concorrente, o governador Aníbal Barcellos assistiu ao vídeo com a Canção do Amapá. Ao final, levantou-se e aplaudiu. Decisão tomada.

Em 23 de abril de 1984, o Decreto nº 008 tornou oficial o Hino do Amapá, com letra de Joaquim Gomes Diniz, melodia do maestro Oscar Santos e a dedicação sensível de Fernando Canto, que acreditava que símbolos também são pontes entre o povo e sua história.

Voz que virou legado

Hoje, a Canção do Amapá ecoa em cerimônias, escolas e praças. Cada vez que suas notas se espalham, parece que uma janela se abre para aquele momento em que o Estado encontrou sua própria identidade sonora.

A crônica original que inspirou esta postagem foi escrita como homenagem, um ano após a partida de Fernando Canto. Poeta, jornalista, músico e guardião da memória coletiva, ele deixou o silêncio apenas para se tornar melodia permanente.

Aqui, onde o rio encontra o céu e a história encontra a canção, seu nome segue navegando. Não só na lembrança, mas na própria alma do Amapá.

Fonte original: texto publicado no Facebook por Walter Jr., Presidente do Instituto Memorial Amapá, em 29/10/2025, em homenagem à Fernando Canto, falecido em 29 de outubro de 2024.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

MEMÓRIAS DO LARGO DOS INOCENTES - FORMIGUEIRO – PARTE 1: A DOCE LEMBRANÇA DE TIA GUÍTA

Nos últimos anos, a Prefeitura de Macapá vem realizando um importante trabalho de revitalização dos espaços históricos e culturais da cidade. 

Entre as ações mais simbólicas está a recuperação da Praça do Largo dos Inocentes - Formigueiro, um lugar que guarda séculos de memória e identidade amapaense. O projeto incluiu a instalação de tótens informativos que homenageiam personalidades que deixaram marcas profundas na formação social e cultural da capital.

Personalidades homenageadas nos totens informativos:

  • Benedicto Antônio Tavares (1868–1941)
  • Francisca Luzia da Silva – Mãe Luzia (1854–1954)
  • Maria Lopes da Silva – Maria Joana (1893–1970)
  • Maria Rosa Tavares de Almeida – Micota (1896–1986)
  • Raimunda Tavares da Silva – Tia Mundica (1925–1996)
  • Maria de Lourdes Serra Penafort (1927–1989)
  • Ursula Evangelista da Costa Cecílio – Tia Ursinha (1915–2005)
  • José Maria Chaves – Zé Maria Sapateiro (1924–2019)
  • Adélia Tavares de Araújo – Tia Guita (1916–1997)
  • Lucimar Araújo Tavares – Tia Luci (1920–2013)
  • Militina Epifania da Silva – Milica
  • Aristarco Figueiredo Brito (1942–)
  • Tereza da Conceição Serra e Silva (1860–1940)
  • Janiva de Menezes Nery – Dona Nini (1924–)
  • Aurilo Borges de Oliveira (1917–1976)
  • José Rosa Tavares (1924–)
  • Francisco Castro Inajosa – Mestre Chico (1911–1945)
  • ⁠Maria Germinina de Mendonça Almeida (1942)
  • ⁠Cacilda da Cruz Pimentel (1910-1974)
  • ⁠José Duarte Azevedo – Zé Mariano (1902-1986)⁠
  • ⁠Professora Zaide Soledade (1934 – 2015)
  • ⁠Antônio Munhoz Lopes (1932 – 2017)

Esses totens, dispostos ao longo da praça, não apenas embelezam o espaço público, mas também resgatam histórias de vida que, por muito tempo, permaneceram guardadas na lembrança oral do povo. É como se o Largo, renovado e pulsante, se transformasse em um verdadeiro museu a céu aberto, onde cada nome, cada rosto e cada palavra nos reconectam com o passado.

É nesse contexto que o Porta-Retrato – Macapá, espaço dedicado à preservação das memórias da cidade, abre hoje suas páginas para recordar uma dessas figuras inesquecíveis: Tia Guíta, mulher de fé, poesia e sabor.

Tia Guíta: Doces Lembranças

Nas margens antigas do rio e nas ruas de chão batido da velha Macapá, vive ainda a lembrança de uma mulher cuja presença iluminava as festas, as cozinhas e as rodas de tradição. 

Adélia Tavares de Araújo, mais conhecida como Tia Guíta (1916–1997), foi uma das figuras mais queridas e emblemáticas da cultura amapaense.

Nascida na Rua da Praia, coração pulsante da antiga cidade, Tia Guíta cresceu em meio ao cheiro do peixe fresco, ao som dos tambores do marabaixo e ao murmúrio do rio Amazonas. Cozinheira de talento e alma generosa, era procurada por muitos que desejavam saborear seus quitutes — e, sobretudo, o inesquecível mingau de mucajá, receita que atravessou o tempo como símbolo de afeto e identidade.

A vida a levou também ao garimpo do Lourenço, onde aprendeu o francês crioulo com trabalhadores vindos de várias partes. Essa habilidade rara lhe abriu portas: as autoridades do antigo Território Federal do Amapá frequentemente a chamavam para traduzir conversas e documentos, reconhecendo nela uma mulher de sabedoria e sensibilidade.

Devota fervorosa de São José, santo padroeiro de Macapá, Tia Guíta não se limitava à cozinha nem ao trabalho. Era também dançarina e poetisa, presença marcante nas rodas de Marabaixo e Batuque, onde o corpo e a palavra se uniam para celebrar a vida, a fé e a ancestralidade negra amapaense. Sua voz, firme e doce, ecoava nas festas como quem reza dançando e dança rezando.

Hoje, o nome de Tia Guíta está gravado na história e no coração de Macapá. Sua memória repousa entre o sagrado e o cotidiano — na fé de São José, no ritmo do tambor, no sabor do mucajá e na poesia simples que nasce das margens do rio. Lembrá-la é honrar todas as mulheres que, com trabalho, arte e devoção, ajudaram a construir a alma dessa cidade amazônica.

Dona Amélia Tavares de Araújo, irmã de Dona Venina Tavares de Araújo, foi esposa do renomado desportista Wenceslau do Espírito Santo, conhecido como o lendário “16”, múltiplo campeão pelo Amapá Clube. Foi mãe de Norberto Tavares de Araújo Neto, que também seguiu os passos do pai, atuando como atacante no Amapá Clube e na Sociedade Esportiva e Recreativa São José.

Fontes: – Totem informativo instalado na Praça do Largo dos Inocentes - Formigueiro, projeto de revitalização da Prefeitura Municipal de Macapá, 2025.

– Pesquisa e texto original da Professora Mestra Mariana Gonçalves.

– Registro fotográfico de @paulotarsobarros.

Texto integrante do acervo histórico do blog Porta-Retrato – Macapá.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

A foto lembrança de hoje foi registrada na Praça da Matriz — atualmente conhecida como Praça Veiga Cabral — há muitos anos, ainda no início do Território Federal do Amapá, embora sem uma data precisa. Ao fundo, destaca-se a esquina entre a Avenida Presidente Vargas e a Rua Cândido Mendes, onde se vê a fachada original do antigo Armazém Macapá, hoje completamente modificada. Nas décadas de 1970 e 1980, esse prédio abrigou a Farmácia Modelo, de propriedade do Sr. Bitencourt.

No imóvel ao fundo, vivia Dona Carmita Machado, enquanto na esquina oposta morava o Sr. Joãozinho Picanço (João Batista de Azevedo Picanço), pai de Heitor, Noca e Naide Picanço.

Imagem crédito: Veneide Chers (modificada por IA)

Via Facebook

terça-feira, 14 de outubro de 2025

MACAPÁ DE MINHAS MEMÓRIAS > DUAS LEMBRANÇAS DE MEU ACERVO

Há momentos que o tempo não apaga — ficam guardados na alma, nítidos como se tivessem acontecido ontem. O Carnaval de 1985 foi um desses capítulos especiais da minha trajetória. 

Naquele ano, o disco de Sambas de Enredo de Macapá foi gravado nos Estúdios Havaí, no Rio de Janeiro, reunindo cantores amapaenses e músicos cariocas sob a direção artística do talentoso Dominguinhos do Estácio.

Tive a honra de integrar a comissão responsável pela produção, atuando como auxiliar de Dominguinhos, que havia sido contratado pela Prefeitura de Macapá para coordenar todo o projeto. Foram dias intensos de aprendizado, convivência e encantamento com o universo da gravação profissional — um verdadeiro mergulho na arte do som.

Na primeira imagem, apareço sentado à mesa de gravação. Nesse momento, ouvíamos as matrizes já gravadas e editadas do disco de Sambas de Enredo de Macapá — a etapa final antes da prensagem. Um instante de escuta atenta, emoção e dever cumprido.

Na segunda imagem, registro outro momento marcante dessa experiência. O técnico de som, com toda a paciência e generosidade, me explicava o funcionamento dos equipamentos de gravação, mixagem e edição das músicas. Foi um aprendizado valioso, que levo comigo até hoje, não apenas pelo conhecimento técnico, mas pela beleza do encontro humano e pela partilha de saberes.

Essas duas imagens, guardadas com carinho no meu acervo de memórias, me transportam de volta àquele estúdio, ao som das fitas girando e às vozes que ecoavam com tanta emoção. Foram dias que moldaram não apenas um disco, mas também parte da minha história e do amor que carrego pela música e pela cultura do Amapá.

Imagens: Arquivo Pessoal de João Lázaro

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

MEMÓRIA DO FUTEBOL AMAPAENSE > RARIDADE HISTÓRICA: UMA DAS PRIMEIRAS FORMAÇÕES DO ESPORTE CLUBE MACAPÁ

O Porta-Retrato tem o prazer de compartilhar com seus leitores uma relíquia do futebol amapaense: uma raríssima fotografia de uma das primeiras formações do Esporte Clube Macapá, o mais antigo clube em atividade no Amapá e um dos mais tradicionais da região Norte.

Imagem: Recorte de jornal (Reprodução)

Na imagem acima, vemos a representação do E.C. Macapá alinhada para uma partida histórica. A legenda original identifica, da esquerda para a direita, os seguintes integrantes:

Alcolumbre (técnico), Souza, Edílson, Herundino, Zolirio, Louro, Pintor, Zeca Banhos, Brito, Nonato, Ubiracy Picanço e Walter Nery.

Breve História do Esporte Clube Macapá

Fundado em 18 de julho de 1944, o Esporte Clube Macapá nasceu no coração da então pequena cidade de Macapá, ainda no período do Território Federal do Amapá, quando o futebol local começava a se organizar.

Formado por jovens entusiastas e desportistas apaixonados, o time vestia as cores azul e branca, que rapidamente se tornaram símbolo de orgulho e identidade.

Com o passar dos anos, o Macapá se consolidou como um dos clubes mais respeitados da região, participando ativamente do crescimento do esporte amapaense e protagonizando partidas memoráveis contra seus grandes rivais.

Linha do Tempo do Esporte Clube Macapá

📍 1944 – Fundação oficial do clube, que passa a disputar partidas amistosas e torneios amadores.

📍 1945–1950 – O Macapá se destaca nos primeiros campeonatos locais, tornando-se referência técnica no futebol do Território do Amapá.

📍 1952 – Conquista o primeiro título do Campeonato Amapaense, entrando para a história como um dos pioneiros do futebol local.

📍 Década de 1960 – Início da lendária rivalidade com o Trem Desportivo Clube, dando origem ao clássico mais tradicional do estado: o Clássico do Pão com Ovo.

📍 1970–1980 – Consolidação como potência estadual, revelando craques e ampliando sua torcida.

📍 1990–2000 – O clube mantém viva sua tradição, investindo em novas gerações e fortalecendo as categorias de base.

📍 2010 em diante – O Macapá segue como símbolo de resistência e memória esportiva, representando a paixão do povo amapaense pelo futebol.

O Orgulho Azul da Cidade

Mais do que um clube, o E.C. Macapá representa uma história viva do povo amapaense — uma história de superação, de amor ao esporte e de identidade cultural.

Cada uniforme azul que entrou em campo ajudou a construir um capítulo dessa trajetória que mistura emoção, rivalidade e paixão pela bola.

Fonte: Acervo histórico compartilhado por Sabá Ataíde, colaborador do Porta-Retrato.

Imagem: Uma das primeiras formações do Esporte Clube Macapá (Recorte de Jornal)

Década estimada: anos 1940/1950.

domingo, 5 de outubro de 2025

MEMÓRIAS DE SANTANA > LEMBRANÇA DA ÁREA PORTUÁRIA

A lembrança de hoje é um registro especial do acervo do amigo Floriano Lima: uma imagem rara da Área Portuária de Santana, capturada entre o final dos anos 1960 e o início da década de 1970. Esta fotografia retrata um momento marcante na história da ICOMI no Amapá, fortalecendo a memória do desenvolvimento industrial e portuário da região.

Fonte:Facebook

sábado, 4 de outubro de 2025

MEMÓRIAS DE MACAPÁ > LEMBRANÇAS DO 7 DE SETEMBRO

Outra grata recordação das comemorações de 7 de setembro vem do amigo José Jair de Souza. 

Foto: Reprodução Facebook

A imagem o mostra em 1963, durante o desfile do Tiro de Guerra 130, na Avenida FAB, em Macapá, exercendo com orgulho a função de Guarda de Honra à Bandeira Nacional.

Um registro que eterniza não apenas o momento cívico, mas também o espírito patriótico e o valor da juventude de uma época.

Fonte: Facebook 

MEMÓRIAS DO LARGO DOS INOCENTES - FORMIGUEIRO – PARTE 5 - A TRAJETÓRIA DE ZÉ MARIANO

Hoje vamos recordar a trajetória do senhor José Duarte de Azevedo, conhecido como  Zé Mariano — figura ilustre e indispensável à memória afe...