segunda-feira, 28 de junho de 2021

MEMÓRIAS DE MACAPÁ: GAROTOS, QUE COMO EU, AMAVAM OS “BEATLES”...

NOSSA LIVERPOOL ERA ALI

Cléo Farias de Araújo (*)

Final dos anos 60 para começo dos 70. Depois de mais um embate futebolístico contra o leãozinho do Palhinha, irmão do Leorivaldo Furtado, no campo onde depois construíram o CCA e a Pediatria, eu e uns amigos íamos para a casa do Prof. Mário Quirino, na esquina da Rua Leopoldo Machado com a Avenida Machado de Assis, por detrás do CCA, tomar água gelada. Afinal, passávamos boa parte das tardes macapaenses jogando futebol. Lógico que, após tanta correria, buscássemos o precioso líquido em algum lugar, já que nossas casas guardavam certa distância do campo.

Aquelas visitas tornaram-se hábito, o que resultou num amistoso entrosamento, a ponto de aprendermos os nomes das pessoas que ali residiam. Assim sendo, quando acabavam as peladas, já chegávamos na casa da esquina, chamando o Serjão, pra pedir água. As costumeiras visitas, aliadas à curiosidade infanto-juvenil, ensejaram escutarmos, em certa tarde, umas músicas em inglês, que pensamos estarem sendo tocadas na Difusora. Mas o Márcio (o mais novo dos irmãos) veio dos fundos da garagem com umas capas de discos, que logo identificamos como dos Beatles. Naquela tarde, o papo se estendeu um pouco mais e pudemos ouvir outras canções, com a reunião se encerrando à noite. Essa descoberta nos levou a fazer três coisas naquela casa: beber água gelada, bater papo e ouvir Beatles, na garagem. Isto aumentou nosso interesse por música.

Alguns de nós já engatinhávamos alguns acordes. Mas tínhamos dificuldade em “tirar” as músicas, ouvindo apenas rádio. Discos eram muito caros e o que ganhávamos, vendendo picolé, pastel ou cobre/alumínio, dava malmente pra irmos ao cinema. Contudo, “os irmãos quirino”, como na época, o Frank Asley chamava pro Delrio, Serjão e Márcio, eram muito legais. Eles possuíam os discos e não se importavam em repetir interminavelmente as músicas, até “aprendermos” a pronúncia (copiando-a, ao nosso modo) e alguns solos mais simples.

Aquela garagem ficou pequena e passamos a nos reunir no muro que guarnecia a casa. Em nosso clube, compareciam assiduamente, além dos três beatlemaníacos que lá residiam: Eu, Antônio Maia, Francisco de Assis, que ali foi batizado de Frank Asley, Vital Júnior, Chico Semana, Euclides Farias, Osmoar, ou "Boto de Santo André"(um paulista que veio morar em Macapá, na casa de seu cunhado Sabá “apressadinho”, funcionário do BB), Álvaro Gomes, Manoel Cordeiro, Aldomário, Aloisio Cantuária, Aurélio Cantuária,  Dilson Ferreira, Quibiga, Pixata, Robertão e tantos outros semiroqueiros. Em um tempo de Macapá sem entraves às pessoas de bem, nossos pais sabiam onde a gente estava e confiavam nesse “bate ponto” diário.

Ante a agregadora fama que se espalhou pela cidade: Ali, tocávamos: Beatles, Creedence, Johnny Rivers, Blue Ridge Rangers, Elvis Presley e alguns outros sucessos do momento. Lá, era a esquina musical que estava em moda. Durante o tempo em que os Quirinos moraram naquele ponto, nenhuma outra confluência de ruas era mais famosa e/ou visitada, que a que concentrava naquela casa.

O girar do tempo levou alguns a se dedicarem bem mais, abrindo, entre nós, certa competição. Isso alavancou o sonho daquela turma, pois todos queriam ser “os quatro de Liverpool”, talvez na esperança de um dia poderem tocar aquelas músicas, no mínimo, como cópia borrada dos “Fab Four”.

Alguns fizeram da música, a sua profissão e nela trabalham até hoje, com alegria. Outros, viraram médicos, advogados, artistas plásticos, escritores, policiais, engenheiros, professores, etc. Todos serviram e servem à nação, positivamente, ao seu modo.

Não precisamos pixar o muro daquela esquina, pra que soubessem que ali, a casa dos Professores Mário Quirino e Deuzuíte Façanha, era lugar de aulas campais. Ali, com a matriarca daquele clã, aprendi a utilidade da vírgula e como emprega-la corretamente, na frase. Naquele local, tivemos aulas de educação, paciência, tradução inglês/português, honestidade, humildade, bom humor e dedicação aos estudos.

Boa parte do nosso alicerce moral se construiu naquele local. Todos os frequentadores sabiam: nossa liverpool...era ali!

(*) advogado, escritor e músico amapaense

Fonte: Facebook – junho de 2017

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