A pauta de hoje, elaborada pelo jornalista Édi Prado, amigo,
parceiro e cofundador do blog Porta Retrato-Macapá, reverencia uma figura
pioneira do Amapá, cuja profissão faz parte da cultura popular: o garçom Lenito
dos Santos, filho de “Seo” Antônio Eurídio e D. Francisca dos Santos é nosso
ilustre homenageado neste 11 de setembro, um mês após o Dia do Garçom, que é
comemorado anualmente em 11 de agosto.
UM GARÇOM "CAMPEÃO"
Por Édi Prado (*)
O nome dele é desconhecido na Assembleia Legislativa, embora ele tenha ‘desapeado’ por lá em 1991. Ele é filho de Antônio Eurídio e de D. Francisca dos Santos.
LENITO DOS SANTOS nasceu em 15 de outubro de 1954, no arquipélago de
Marajó. Vaqueiro desde “gitinho” e muito habilidoso em derrubar búfalo pelo
chifre. Estudou até a 5ª série do então curso primário. Não teve muita
oportunidade para lidar com os cadernos, porque tinha que cuidar da boiada,
todo dia santo e todo santo dia. Montar e pajear a manada. Nisso, ele tirava a nota
máxima. Mas desde cedo foi jeitoso no trato com as pessoas. Ficava de longe
observando o jeito de cada um e quando partia para a convivência sabia
exatamente o que não fazer e nem falar. Com isso, foi conquistando o carinho e a
atenção dos mais velhos, patrões e amigos. Ele é casado com D. Elvira Lúcia
Gomes dos Santos com quem tem os filhos Adriano (34), André Santos (22) e Luís
Augusto (21). Gosta de pedalar e prefere nem falar da vida de caçador.
E foi assim...
Lenito dos Santos viria a ser o “campeão”, apelido que está
incorporado à figura dele em qualquer lugar. Ele trabalhava com o fazendeiro,
Evandro Matias, que de viagem para Macapá, trouxe o vaqueiro como
companhia. E desapeando aqui, meio sem
jeito e sem boi e búfalo para tocaiar, foi se aprumando diante da nova e
desafiadora realidade de Macapá, no final da década de 80. E foi para a
Fazendinha, uma praia da cidade, que recebeu este nome devido a uma criação
de gado, no começo do então Território. Um processo de adaptação. Trabalhou na
cascalheira retirando pedra das águas. Bom de serviço e disposto, logo
despertou a atenção do Lavoura, um comerciante português, pioneiro na área do
comércio em Macapá.
E não parou mais.
Gostou de trabalhar com o português. Saiu do Lavoura e foi
atuar em outra atividade na sorveteria Santa Helena, também de um
português. Sorveteria era muito devagar
para quem sempre viveu agitado. Foi para o Bar Brandão Drinks. E lá aprendeu as
manhas da noite, o malabarismo com a bandeja e o trejeito em lidar com todo
tipo de gente. O famoso breque. E foi por lá que ele cativou o Macaíba, uma
figura bem simpática lá do bairro do Laguinho, que era assessor parlamentar do
então deputado Nilde Santiago. De dose em doses foi se embriagando pela
amizade de Lenito dos Santos, que ainda não era o campeão consagrado. Isso em
1991.
“Vamos pra lá?”
E numa certa e bendita noite, num rompante de decisão, convidou o então Lenito para trabalhar na Assembleia Legislativa (AL). No outro
dia ele estava lá, impecável e sorridente. Habilidoso na arte de servir foi
logo “se agasalhando” na lanchonete do “Seo” Albino, dono do famoso Xodó. Foram
quatro meses de intensos e diários contatos com os deputados, servidores e
frequentadores da AL. E nisso, foi exibindo o talento de garçom. Um dia - tem
sempre um dia melhor que o outro - o então deputado e presidente da AL, Nelson
Salomão, “que Deus o tenha”, diz, benzendo-se em súplica, fez um pedido de
urgência para contratar garçons para atender os deputados durante as
sessões. Não existia o cargo no
organograma. Mas existia a legalidade para contratar em cargo comissionado. Como ele já estava lá, bom trânsito entre os parlamentares, lá foi Lenito
colocar paletó com gravata borboleta e tudo mais para agora ‘bandejar’ dentro
do plenário. E todo “pavulagem” exibia todo o talento em manejar com copos,
garrafas e o impecável lenço para secar as mesas.
E foi criado o chá.
Um dia, o então deputado e ex-presidente do Tribunal de Conta
do Estado, Regildo Salomão, queixava-se de uma dorzinha incômoda. E sem
pestanejar, Lenito lembrou-se do tempo em que morava em Marajó e correu para
preparar um milagroso chá para o deputado. Após o chá, Regildo saiu espalhando
as virtudes do chá mágico do já bem conhecido Campeão. Mas ele não se conteve
apenas com os chás medicinais e calmantes.
O chá das sextas.
Às sextas-feiras inventou o tal chá de marapuama, que dizem ter efeitos afrodisíacos. E os deputados aprovaram com louvor. Só não se sabe bem porque, na sexta-feira. “Este chá é servido aos deputados e para a imprensa, que cobre as sessões” anuncia, como que contando um segredo. Ele ensinou a alquimia para a D. Corina, a copeira, que se tornou uma mestra na arte de adoçar os bules. “O chá é tradição da AL”, confessa orgulhoso. O sabor varia conforme a pressão da AL. Tem erva cidreira, alecrim, carmelitano, canela, capim marinho, e na sexta, o marapuana.
Origem do apelido
Lenito, além de garçom profissional, que trabalhava na noite
macapaense, se envolveu com o Hildomar, que tinha uma “aparelhagem” de som, que
tocava nas grandes festas e famosos eventos. “Era o bambambam da época”
relembra. Era o parceiro mor de porrinha e uma espécie de aliado secreto na
hora da porrinha envolvendo outras pessoas. “Nós treinávamos e estudávamos as
jogadas. Criamos códigos. Onde tinha porrinha, Lenito sempre foi o campeão. Eu
e o Hildo. Mas o apelido só pegou em mim”, relembra. A aposta era cerveja.
Saiam “truviscos”, sem gastar um centavo com cerveja. Essa parceria rendeu outro trampo. E ele foi aprendendo a mexer com os botões e
buscando a velha mania de observar as pessoas, que descobriu o segredo de fazer
o sucesso musical, depende do lugar e das pessoas presentes no salão. Ele sabia
qual a música para cada momento. E nessa brincadeira, o salão enchia de
dançarinos e a noite se espichava. O bar vendia mais e as pessoas saiam
felizes, embora exaustas de tanto dançar.
“Era o campeão chegar
para a festa animar. Foi o antecessor do Dj em Macapá. Quando estava chulo e desanimado o pessoal
perguntava: cadê o campeão? E era só chegar para a festa animar”, dizia fazendo
questão da rima. E “pegou”.
“Pouquíssimas pessoas sabem meu nome. Mas campeão é o campeão e todo mundo
sabe”, gaba-se. Se diz ainda campeão em
porrinha. “Quando o negócio está ‘vasqueiro’ a porrinha ajuda muito”, revela.
Cheio de trololó
De vez em quando ele saca do colete da memória, velhas frases
adaptadas para cada situação. “Minha cabeça é um chope”, que é um sorvete
embalado em pequenas tiras de saco plástico, conhecido ainda como sacolé ou
chupe. Diz que costuma atender primeiro os homens, para que as mulheres fiquem
embelezando o lugar. Quem está na chuva
é porque não sabe que tem espaço no abrigo dele. Diz que conhece as manhas de
cada parlamentar. Estuda caso a caso sem que eles percebam. O açúcar usado para
os chás, “para quem é de açúcar” é de frutose, indicado pelo deputado Valdeco
Vieira. E para cada um tem o cada um dele, explica o Campeão, dizendo que o “o
galo que é bom canta em qualquer terreiro”. Diz ainda que polícia que não é
respeitada, zagueiro que não bate, caneta que não escreve e mulher mal amada,
tá fora.
As frases do Campeão
1- A Bandeja é
como se fosse uma câmera fotográfica que registra o temperamento de cada
deputado ou pessoa que o Campeão serve.
2- Ele se aproxima
sem tirar a atenção de quem está servindo.
3- Tem sempre o
aviso quando a encomenda servida é do jeito que o deputado pediu.
4- Recolhe o copo
vazio e dá uma olhada para saber quem está precisando de quê?
5- Na saída faz
uma filmagem e relembra o que está faltando.
E até hoje, 11 de setembro de 2024, o Campeão está no trampo.
Antes de começar a sessão da Assembleia Legislativa do Amapá, Campeão entra em campo, como se fosse o capitão da equipe, para fazer bem o que precisa ser feito. Um sujeito simpático, brincalhão, atencioso e muito afetuoso com as pessoas.
(*) Édi Prado é jornalista amapaense, formado pela Faculdade
de Comunicação e Turismo Hélio Alonso (FACHA)- Rio de Janeiro - da turma de
1982. É pós-graduado em Administração de Empresa e Marketing.
FOTOS; Jaciguara e arquivo pessoal
Édi Prado Ribeiro - Este Janjão é maior que ele. Mais uma pérola de registro exposta na vitrine dos imortais. Janjão veio resgatar uma figura,que veio do Marajó e passou a existir na capital, Macapá .Assim, João Lázaro vai paginando a história com gente do povo, como se coloca um espelho na calçada. Parabéns, Janjão
ResponderExcluirJoão Lázaro - Com sua imprescindível ajuda, meu parceiro! Vamos que vamos! Gratidão!
ExcluirCampeão, ama seu trabalho, cara Humilde e coloca muito amor no seu trabalho
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