sábado, 12 de setembro de 2015

Cidadania e Civismo: Há 70 anos, nascia em Macapá o Grupo Escoteiro Veiga Cabral.

Há exatos 70 anos, era fundado em Macapá no dia 12 de setembro de 1945 por Clodoaldo Nascimento, Glycério Marques e Raimundo Barata, a célula embrionária do Movimento Escoteiro do Amapá. 
(Foto: Reprodução de painél do Centro Educacional do Laguinho)
Seu primeiro nome foi Associação de Escoteiros do Amapá (primeiro nome do grupo). Tinha como sede a Praça Veiga Cabral. O nome foi dado em homenagem ao herói Francisco Xavier da Veiga Cabral. Apenas um dos fundadores do grupo continua vivo. Raimundo Barata atualmente aos 88 anos mora em Belém. Como tinham de se manter no Amapá, os chefes escoteiros acabaram ganhando cargos na administração do então Território. O terreno onde está edificada a sede dos escoteiros foi doado pelo governador Pauxy Nunes, em 1947. Atualmente, parte dele abriga a sede do Sebrae. Além do terreno, Pauxy ainda fez a doação de 500 mil cruzeiros (na época) para a construção da sede dos escoteiros. O primeiro prédio foi inaugurado no dia 13 de setembro de 1959, em comemoração ao 16º aniversário do Território Federal do Amapá. Seu primeiro presidente foi o juiz de Direito José Ribamar. Somente no ano de 1999 é que a entidade passou a ser reconhecida como de utilidade pública, através da Lei municipal número 1. 015. (Informações de Edgar Rodrigues). 
O Chefe José Raimundo Barata, hoje com 88 anos, embora se convalescendo de um problema de saúde, manda a sua saudação a todos os escoteiros do Amapá, pela passagem dos 70 anos do Grupo Veiga Cabral. 
Aproveitando o ensejo, ele nos enviou um resumo de sua chegada ao Amapá e conta como foi o início de tudo. 
“Foi assim: o ano, 1942 e seguintes... o mundo vivia conturbado no auge da Segunda Grande Guerra Mundial. 
O Brasil, que até então se mantinha neutro, a braços com as consequências econômicas e psicológicas da guerra, viu-se comprometido, também, sofrendo na própria pele, com o afundamento, em suas águas territoriais, por supostos submarinos alemães, de vários navios mercantes de sua frota de cabotagem, com o agravante de perdas de vidas preciosas, obstando o abastecimento de toda ordem entre o Sul e a nossa região que não era feito por rodovias, como hoje, por inexistirem. 
Belém do Pará, minha cidade, não ficou Imune à intensidade do conflito. 
Declarado um estado de beligerância entre o nosso País e os agressores, passamos a parceiros dos Estados Unidos e de seus aliados, constituindo-se a nossa cidade um suporte logístico aos aviões militares procedentes dali e que faziam escala na cidade de Amapá, no vizinho Estado do Amapá (ex-Território Federal), aonde os americanos haviam construído uma base aérea de apoio (após a guerra foi assumida pela administração territorial que a transformou na Escola de Iniciação Agrícola do Amapá), e aqui, também, para depois seguirem rumo a Natal, no Rio Grande do Norte, de onde prosseguiam no sentido de Dakar na África, para cumprirem missões definidas. 
De certa forma, essa parceria fez o País desfrutar de assistência econômico-militar dos aliados que serviu para a melhoria de algumas situações estruturais como aconteceu nas cidades de Amapá, em Belém e Natal, pelas ações implementadas nos aeroportos nesse tempo existentes que passaram à condição de "bases aéreas militares" com a adaptação e ampliação das instalações que havia aumento e construção de novas pistas de pouso/decolagem adequadas às operações militares, pavimentação de estradas ao entorno e vias de acesso para o deslocamento de viaturas, além dos empregos diretos e indiretos disso originados que resultaram no incremento de feitos propícios à expansão da economia local. 
A costa brasileira, no trecho compreendido pelos pontos extremos geográficos de Cabo Orange, no Amapá, até a Ponta de Seixas, na Paraíba, passou a ser patrulhada por aviões chamados "Catalina" e por "blimps" (pequenos dirigíveis), estes, como de Belém, aonde eu fazia o segundo ano de um Curso de Marcenaria, embasado, não só nas matérias técnicas, como nas disciplinas do currículo oficial. 
Ali havia alunos de várias camadas sociais e a procura desse estabelecimento se dava, não só pelo ensinamento que oferecia como pelo regime de semi-internato, proporcionando ao alunado: café da manhã, merenda ás nove horas, almoço e lanche às quinze horas, de boa qualidade. 
Então, o vínculo entre os discentes se caracterizava, além dos assuntos pertinentes às aulas e ao aprendizado da profissão, pela diversidade de motivos que a escolha fazia nascer um coleguismo homogêneo. 
Ao mesmo tempo, fazia parte de um agrupamento de escoteiros denominado Associação de Escoteiros Católicos "São Raimundo Nonato" - os "católicos", como éramos conhecidos - Igreja de igual invocação, no bairro do Telégrafo, cuja sede, a um quarteirão de casa, ficava nos fundos do terreno de propriedade daquela instituição religiosa. 
Não éramos uma família de grandes posses. Morávamos de aluguel. Papai era embarcadiço (marítimo) de uma companhia local de navegação fluvial como maquinista (condutor de máquinas, hoje), pois, conhecia o desempenho de máquinas movidas à lenha e/ou carvão cóque, e de motores a óleo diesel. 
Percorria os rios da Amazônia em suas viagens rotineiras. Era o único provedor da família porque eu e meus irmãos ainda estudávamos e mamãe era apenas "do lar". Havia uma "irmã de criação", por parte de mãe, que era casada com um português, proprietário de uma mercearia na cidade. 
Não passávamos fome. Tínhamos o suficiente para o nosso sustento. Só coisinhas como livros, jornais e revistas e, eventualmente, a matinê de domingo, é que experimentávamos quando havia alguma folga no orçamento doméstico. A cultura escrita vinha através de empréstimos entre colegas de escola, vizinhos e parentes. Não tínhamos rádio, pois custava caro e só adquirido à vista e os nossos rendimentos, insuficientes para possuirmos um. 
Afeito à leitura, gostava de frequentar, aos sábados, as livrarias da cidade (Martins, Conte Contemporânea) para me ligar às manchetes dos periódicos locais (Folha do Norte, O Estado do Pará, A Província do Pará), aos títulos das novidades literárias e folhear, quando possível, as revistas em quadrinhos de então (Globo Juvenil/Gibi, Suplemento Juvenil/Mirim, Tico-Tico etc.) estas, para saber como estavam se comportando os heróis que influenciavam o meu imaginário imaturo. 
Em abril de 1944 meu pai falecera. Como era o único provedor em casa, passamos a enfrentar uma situação adversa, desestabilizando a nossa vivência, não fosse à ajuda de nossa "irmã de criação" nos socorrendo, com gêneros de primeira necessidade, tirados da mercearia de seu marido, e o esforço dispendido por minha mãe, lavando roupa pra fora, de que eu era o entregador, e a sua venda de produtos de feira que a vizinhança adquiria por consideração. 
Como mais velho dos filhos e já com alguma instrução, mas, inexperiência para o labor profissional, saía, quotidianamente, à procura de emprego, sem nenhum sucesso. 
À tardinha de um dia de abril de 1945, quando as minhas esperanças de emprego se esvaíam, alguém bateu à nossa porta (um Anjo?!): um senhor bem apessoado, com uma pasta à mão, e que já estivera na sede do grupo de escoteiros ao qual eu pertencia e, em contra partida ao que expusera aos meus chefes, recebeu a indicação de minha pessoa, por me enquadrar no perfil que ele buscava e por saberem da situação adversa que minha família estava enfrentando. 
Era o Chefe Glycério de Sousa Marques, Chefe Glycério, como era conhecido nos meios escoteiros, porque chefiou, aqui em Belém, uma organização badênica denominada "Tribos Escoteiras", coirmã da Associação de Escoteiros "Benjamin Sodré". 
Disse que desejava falar comigo e com minha mãe para nos colocar a par da sua missão: recrutar dois jovens entusiastas que estivessem dispostos a enfrentar, com ele, o desafio que lhe propusera o Governo do recém-criado Território do Amapá: de fundar, ali, o movimento de escoteiros, porque o seu Governador, Capitão do Exército Brasileiro, Janary Gentil Nunes, conhecia, profundamente, a doutrina cívica e moral de Baden-Powell, o criador do Escotismo. 
Falou, também, que os dois jovens seriam empregados daquela administração e iriam, logo, ganhando um salário mensal desde a sua saída de Belém (a nossa admissão no Governo Territorial se deu a partir de 01 de maio de 1945). Antes, teriam que participar de um curso para chefes escoteiros que, coincidentemente, à época, a Federação Paraense de Escoteiros, sob a orientação austera do conhecido Chefe Castelo (Gonçalo Lagos Castelo Branco Leão), promovia para adestrar, mediante atividades de sede e de campo, um número selecionado de participantes oriundos de municípios da hinterlândia paraense, para difundirem, neles, ações imbuídas nos ensinamentos escoteiros com a criação de grupos pertinentes. Minha mãe deixou-me à vontade para decidir. Aceitei, de pronto. 
Foram noventa dias de exaustivas atividades e, ao seu término, estávamos aptos a partir para assumirmos o compromisso aceito. 
Assim, é que em 17 de agosto de 1945 embarcávamos, no Iate "São Raimundo", rumo à cidade de Macapá, capital daquele Território; uma viagem desconfortável, demorada, aportando, lá, na manhã de segunda-feira, dia 21. Fomos alojados em instalações precárias, passando a viver em república de rapazes solteiros que estavam, como nós, em outras atividades a serviço daquela administração. 
A princípio, eu e meu parceiro de missão morávamos juntos e, assim, sempre que precisávamos mudar de habitação. 
Daí para frente diversas circunstâncias foram se sucedendo na vida de cada um, paralelamente, de modo que contribuíram para a melhoria da nossa vivência na terra que Cabralzinho lhe legara como herança. 
Superamos todas as dificuldades. “Éramos escoteiros e ‘o escoteiro é alegre e sorri nas dificuldades’”. (Chefe José Raimundo Barata)

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