Por Nilson Montoril (*)
Ao desembarcar em Macapá, no dia 27 de fevereiro de 1913, o sacerdote belga, Júlio Maria Lombaerd, sentiu o quanto os habitantes católicos da cidade estavam desassistidos espiritualmente. Sem ter um padre residente há bastante tempo, a Paróquia de São José já não cumpria integralmente o calendário litúrgico a que estava condicionada. Vez por outra, padres visitantes por aqui passavam, mas isso não satisfazia o povo. Padre Júlio comprovou, que a inexistência de um orientador religioso, priorizou as festas mais populares, como o batuque, rotulada por ele como "Festa das Coroas", compreendendo duas quadras, respectivamente, Divino Espírito Santo e Santíssima Trindade. Em suas anotações, ele assim comentou. "Este povo, quase tornado pagão, em consequência da falta de padres, e também pela ausência de toda instrução religiosa, estima e venera o padre. Aspiram pela sua vinda e demonstram, por palavras e gestos, a felicidade que sentem ao tê-lo no meio deles. Apesar do isolamento, em que vivem, não deixam passar nenhum ano, sem celebrar, com todas as pompas que lhes permite sua pobreza, certas festas que ainda restam, resquícios de uma piedade e de um amor de antigamente. As grandes festas, que celebram, são sobretudo as de São José, de Pentecostes, da Santíssima Trindade, de Páscoa e a de Natal. Porém, nenhuma festa da Santíssima Virgem. Marca característica. Enquanto o povo do Sul conservou e celebra quase todas as festas da Virgem Imaculada, o daqui não conservou nenhuma. A Mãe de Jesus está relegada a um plano secundário. E não hesito em dizer, que é a causa da completa decadência do povo amapaense. O mal está aí. O primeiro dos remédios deve ser tornar a colocar a Mãe de Deus sobre seu pedestal. Não será então o momento em que Jesus Cristo reinara aqui como Mestre? É a minha grande preocupação, desde quando aqui cheguei. Todos os meus esforços se concentram neste ponto. Os primeiros dias, em que dei catecismo, esforcei-me por fazer a criançada conhecer e amar a Santíssima Virgem. Os meninos me perguntaram, ingenuamente, que santa que é esta, se já tinha morrido, se era mais poderosa do que São Benedito ou São Raimundo. A explicação foi longa, mas produziu frutos. E hoje, os meninos nunca saem da igreja, sem antes, irem ajoelhar-se aos pés de Maria para pedir-Lhe a benção. Outro dia, encontrei, aos pés da Virgem, uma menina de catecismo, que já me havia despertado a atenção, por causa de sua magreza e fraqueza. Ela chorava, derramando lágrimas, de mãos postas e os olhos fixos na imagem da Santíssima Virgem. Aproximei-me sem fazer o menor barulho e, no meio de seus soluços, compreendi alguma coisa de sua conversa com a branca Madona. Mamãe, balbuciava ela. O Padre Júlio Maria disse que a senhora é nossa mãe. Veja, eu sou muito pobre, minha mãe já morreu. Ainda não comi nada hoje, estou com muita fome. Mamãe, a senhora podia me dar um pedaço de pão." Penalizado com a situação da menina, Padre Júlio levou-a até a Casa Paroquial e serviu-lhe pão, manteiga e café. O Diário Missionário do Padre Júlio é repleto de fatos pitorescos, ocorridos no decorrer de quase dez anos de sua permanência em Macapá.
(*) Nilson Montoril é
professor, historiador e presidente da Academia Amapaense de Letras
Fonte: Facebook
(Última atualização em 12/05/2021)
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