Seu Manuel é o primeiro à direita da foto. Na época ele usava apenas uma
bengala. Os demais populares eram moradores de Mazagão que retornariam pra casa
aproveitando uma carona na ubá "Caça Níquel", do comerciante Francisco Torquato
de Araújo que já estava na proa da embarcação.
Moreno,
corpo esguio e rosto marcado pelo sofrimento, assim era o seu Manuel, um
deficiente físico que vivia da caridade pública na cidade de Macapá. Morava em
um prédio que fora construído pelo governo do Território Federal do Amapá para
abrigar o “Restaurante dos Operários” e servir de abrigo aos que vieram de
outras plagas para trabalhar na construção de diversos prédios públicos e que
viviam em alojamentos precariamente edificados. Os trabalhadores permaneciam
naquele local pelo tempo necessário para construírem suas casas em lotes que a
Divisão de Terras e Localização distribuía. O restaurante acabou sendo rotulado
de Barracão dos Imigrantes, ficava na esquina da Rua São José com a Avenida
Professora Cora Rola de Carvalho. Pelo centro dessa segunda via pública passava
a tubulação do primeiro sistema de esgoto de Macapá. A área era tão alagada que
foi preciso construir-se pequenos pilares para manter os tubos fora do lamaçal.
No inicio seu Manuel usava apenas uma grossa bengala para sustentar a mudança de
passo da perna esquerda. Depois se fez imprescindível trocar a bengala por uma
muleta relativamente desgastada para poder se deslocar, haja vista que a atrofia
da perna esquerda se agravara. Quase não falava e a dentição lhe era escassa. A
despeito de ser deficiente físico, seu Manuel caminhava bastante. Seu ponto
preferido para sentar-se e ver o tempo passar era a calçada da residência da
senhora Sofia Mendes Coutinho, situada no canto da Avenida General Gurjão com a
Rua São José. Ali ficava horas a fio observando tudo que se passava no centro
histórico de Macapá. À tarde, quando a maré enchia por volta das 16 horas, seu
Manuel deixava a calçada e rumava para o trapiche major Eliezer Levy. Com muito
aprumo caminhava sobre a longa ponte até alcançar o ancoradouro frontal. Á época
existia na cabeça do trapiche um abrigo coberto destinado a passageiros e cargas
miúdas. Era o local onde seu Manuel ficava fitando as águas do Rio Amazonas e
acompanhando a chegadas dos reboques a vela provenientes da região das ilhas do
Pará, que traziam açaí, frutas e peixe. Tudo era vendido rapidamente aos
costumeiros fregueses, principalmente às mulheres amassadeiras do nosso rico e
gostoso “petróleo”. À conta da caridade dos caboclos seu Manuel sempre voltava
para o barraco com alguns peixinhos frescos, suficientes para o preparo de um
reanimante caldinho. Ele também podia ser encontrado sentado na calçada da
Igreja de São José proseando com o amigo Ponciano ou sobre a panela da rede de
esgoto da Avenida Cora de Carvalho. Todo mundo se admirava de o ver escalando
aquele objeto alto sem pedir a ajuda de terceiros.
(Foto de Arquivo da Diocese de Macapá)
Esta foto é de 1949. Observe que a igreja está com pintura nova. Ela havia
passado por uma reforma coordenada pelo Padre Mário Limonta. À esquerda da foto
vemos a Casa Paroquial. Era na ponta da calçada, à direita do templo que o "Pau
Furado"gostava de ficar sentado.
As
crianças que tão bem conheciam seu Manuel não lhe faltavam com o respeito.
Algumas evitavam passar perto daquele cidadão desvalido porque os próprios pais
diziam que iriam chamar o “Pau Furado” caso os filhos não se comportassem
direito. A mesma coisa falavam em relação ao senhor Benedito Lino do Carmo, o
Congó. A molecada da Matriz até que tentava tirar um dedo de prosa com seu
Manoel, mas ele falava meio embrulhado e somente as pessoas pacientes conseguiam
entendê-lo. Se naquele tempo os políticos distribuíssem dentaduras, a pronúncia
do “Pau Furado” seria melhor. Nunca consegui saber de que localidade veio seu
Manoel. Algumas pessoas diziam que ele era proveniente da ilha do Marajó e teria
contraído paralisia infantil. A origem do seu apelido e o complemento do nome de
batismo jamais foram descobertas. Seu Manuel detestava ser apelidado. No tempo
de manga ele fazia a festa. Primeiramente amassava bem a fruta. Depois, chupava
a poupa, devorava a casca e fazia um malabarismo tremendo com o caroço dentro da
boca. Ao ser jogado fora, o caroço estava branquinho da silva. Seu Manuel
residiu no Barraco dos Operários até morrer, no final da década de 1960. O
propósito do Governador Ivanhoé Gonçalves Martins em melhorar o aspecto urbano
de Macapá mudou completamente o habitat do Pau Furado. O prédio que o abrigava
encontrava se praticamente desativado e não servia mais refeições.Os alimentos
necessários à subsistência de seu Manuel continuavam a ser dados por pessoas
caridosas, entre elas a Alice Gorda que na época gerenciava um hotel. Foi a
Alice Gorda, nossa eterna Rainha Moma, quem providenciou o sepultamento daquele
homem que tanto sofreu até desencarnar do verbo.
(*) Professor e historiador amapaense
(Artigo publicado, originalmente, em 25 de junho de 2011 no blog Arambaé, do historiador Nilson Montoril.)
Eu lembro do Congó, o tio Casemiro dizia que ia nos dar para o Congó, colocava medo na gente. Depois de crescer conheci bem o velho Congó com suas histórias sobrenaturais, alma boa. Meu pai Isaac dizia que não era para ter medo do Congó que tio Casemiro só queria por medo na gente.SARAH
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