sábado, 21 de maio de 2011

ESPECIAL: Expedito Cunha Ferro, um cidadão de muitos méritos

Chefe 91 - um grande pioneiro da implantação do Território Federal do Amapá.
Por Nilson Montoril (*)
(Foto: Reprodução de livro) 
A exemplo de muitos dos seus contemporâneos, Expedito Cunha Ferro não foi apenas um simples servidor público. Franzino e de estatura mediana, enveredou pelos caminhos do escotismo, do esporte e das artes cênicas, contribuindo para a formação moral e intelectual de centenas de garotos e adolescentes. Expedito Cunha Ferro, nascido em Belém no dia 9 de março de 1927, mudou-se para Macapá em 1945, para trabalhar, jogar futebol e difundir o escotismo. Fez parte do primeiro grupo de escoteiros da Tropa Veiga Cabral, que era dirigida pelo Tenente Glicério de Souza Marques. A queda pela doutrina de Baden-Powell começou a ganhar seu interesse ainda em Belém, nos redutos da Federação Educacional Infanto-Juvenil (FEIJ), cujo fundador e coordenador foi o então tenente do Exército Brasileiro Gonçalo Lagos Castelo Branco Leão, o Chefe Castelo. No futebol, Expedito Ferro optou pela posição de goleiro, cuja denominação, à época, era “guarda-metas” ou “guarda-valas”. Dos tempos da caserna, herdou como apelido o seu número de guerra, noventa e um. Sua cabeça, em relação ao corpo, era considerada miúda, fato que lhe valeu a alcunha de “cabeça-de-macaco”, coisa que ele detestava. Possuidor de bom conhecimento de ordem unida ingressou no quadro de servidores do Território do Amapá como instrutor de educação física. Bom disciplinador tinha sempre às mãos um apito. Quando “91” ingressou na Tropa de Escoteiros Veiga Cabral, fundada dia 12 de setembro de 1945, o chefe Glicério de Souza Marques tinha como auxiliares os pioneiros Clodoaldo Carvalho do Nascimento e José Raimundo Barata, ambos egressos de Belém. Os três são apontados como elementos de proa na história da FEIJ, por onde também passou o Chefe Cláudio Carvalho do Nascimento. Em Belém, Expedido Cunha Ferro foi membro da Federação Paraense de Escotismo. A 23 de abril 1953, Expedito Cunha Ferro, Humberto Álvaro Dias Santos e o Padre Vitório Galliani fundaram a Tropa de Escoteiros Católicos São Jorge. Foi nesta organização que ingressei como lobinho. Os padres italianos, chegados à Macapá em 1948, haviam implantado o Oratório Recreativo São Luiz, na Paróquia de São José. O terreno que eles herdaram dos missionários da Congregação da Sagrada Família foi ampliado, permitindo a construção de um barracão de madeira e de uma quadra esportiva para a prática de basquete, voleibol e futebol-de-salão. Na área de recreação, mais conhecida como quintal dos padres, havia uma pequena casa de madeira, coberta de palha de ubuçu, onde o Chefe “91” residia. Nosso saudoso amigo era um celibatário convicto. Ainda em 23 de junho de 1953, graças à criatividade do Expedito Ferro, os escoteiros apresentaram o “Cordão do Papagaio”, que ele tão bem conhecia desde o tempo em que participou das atividades da Federação Educacional Infanto-Juvenil (FEIJ), em Belém. Também foi da sua iniciativa a encenação do Boi-BumbáPai-da-Malhada”, bastante divertido. Vários outros cordões juninos mereceram destaque com o passar do tempo, todos concebidos pelos chefes Humberto Santos e Expedito Cunha Ferro. Como professor de educação física, 91 foi imbatível na Escola Industrial de Macapá. Por ocasião dos desfiles estudantis e das olimpíadas, a turma que ele treinava fazia sucesso. Além do futebol, Expedito Ferro também praticou o basquete e o vôlei. Quando deixou de jogá-los, assumiu a função de árbitro. O drama de arbitrar jogos do Juventus trouxe alguns contratempos ao Expedito. Entretanto, sua parcialidade merece encômios e ninguém, em sã consciência, pode acusá-lo de ter, voluntariamente, prejudicado ou favorecido o “Moleque Travesso” ou qualquer outro clube local. Torcia pelo Botafogo de Futebol e Regatas, daí a sua preferência pelo Amapá Clube. Dentre os times de futebol de Belém, o Clube do Remo tinha cadeira cativa no coração do fanático Expedito. Do tipo brincalhão, o 91 só ficava possesso quando alguém o chamava de “cabeça-de-macaco”. Guardadas as devidas reservas, o cocuruto do Expedito Ferro era mesmo parecido, notadamente com o Caiarara, o mais esperto dos símios amazônicos. Para animar as manhãs de domingos, quando eram realizados os jogos do campeonato oratoriano, o 91 fazia uso de amplificador, alto-falante e microfones para narrar as partidas. Criou a PRC Juvenil - a voz oratoriana, por onde o Estácio Vidal Picanço e eu iniciamos como narradores esportivos. Na década de 1940, ninguém conseguia sobrepujar Raimundo Nonato Lima, o velho chibé na  arbitragem futebolística. A partir dos meados de 1950, o árbitro mais requisitado, por ser mais técnico, foi o 91. Quando o sujeito apelava para o jogo violento, ouvia, em tom de reprimenda: “joga direito seu cavalo de arraial, senão eu te expulso de campo”. Em 1945, a escalação do Amapá Clube mais freqüente era: 91; Cabral e Branco. Palito, Raimundinho e Álvaro Arara; Assis, Chumbo, Penha, Puga e Walter Nery. Ele também atuou ao lado de outros companheiros nos anos seguintes, entre os quais destacamos: Alvibar, Pina, Higino, Nilo, Pena, Newton, Passarinho, Pintor, Genésio, Moringueira, Mafra, Marituba, Zé Maria Leão, Zé Maria Chaves, Campos, Joãozinho, Adãozinho e Boró. Quem não formava na onzena principal, integrava o Uirapurú, o time secundário do alvinegro amapaense. Detalhe para o Penha, que jogava de óculos. De todos eles, apenas o Walter Nery permanece em Macapá. O Raimundinho Araújo, o Pina e o Assis (Severo) residem em Belém. Os demais estão em outro plano. O Expedito Cunha Ferro partiu. O dia três de agosto de 2004 marcou a sua cortada. Há três dias, em decorrência da morte de uma sobrinha que ele adorava e que o assistia, caiu em profunda depressão. No decorrer deste período não quis se alimentar, permanecendo trancado no quarto. Morava só na Base Aérea de Belem. Quando decidiram arrombar a porta, ele estava enfartado. Já não era o homem de corpo franzino, engordara e somava 77 anos de idade. Com ele, foram para a eternidade: o 91, o cabeça-de-macaco, o bobo da corte, o folclorista, o chefe escoteiro, o instrutor de educação física, o desportista e o amigo. Enquanto esteve no mundo dos vivos, 91 sempre honrou a saudação escoteira: “Sempre Alerta, Para Servir na Forma do Melhor Possível”. Anrrê, Expedito Cunha Ferro, que agora contempla outro arrebol. Tinha razão o Padre Lino Simonelli ao afirmar que "a vida é curta como a folha do mastruz".
(*) Historiador, professor e radialista amapaense, via e-mail.
(Artigo publicado, originalmente, no Jornal Diário do Amapá, edição de 6/8/2004, atualizado e adaptado especialmente para o blog Porta-Retrato)       

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