segunda-feira, 19 de setembro de 2011

ESPECIAL: COLUNAS PARTIDAS

Por Nilson Montoril (*)
(Reprodução de Jornal)
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A então Praça da Saudade(1967),que o Governador Ivanhoé Gonçalves Martins já chamava de Praça Cívica, sem a urbanização necessária. Observe que na área onde foi construido o Palácio do Setentrião havia um campo de futebol delineado por alunos do Colégio Amapaense. O espaço correspondia a um pequeno trecho do velho aeroporto da Panair do Brasil. O palaque de madeira era montado no final de agosto e desmontado após os festejos da semana da Pátria e do Território. O mastro onde a Bandeira Nacional era hasteada ficava no centro da praça.
Quem vê a Praça da Bandeira urbanizada, nem de longe imagina que naquele local, no dia 21 de janeiro de 1959, os amapaenses ergueram um singelo monumento compreendendo um pilar em alvenaria, tendo no topo uma base em concreto, encimada pelo mapa do Amapá e sobre ele três colunas partidas. Antes do pano que cobria o monumento ser descerrado, foi realizada uma missa campal celebrada pelo bispo Prelado de Macapá, D. Aristides Piróvano. Centenas de pessoas conduziam cartazes com as fotografias de três ilustres cidadãos: deputado federal Coaracy Gentil Monteiro Nunes, o suplente de deputado Hildemar Pimentel Maia e o Oficial Administrativo Hamilton Henrique da Silva. Eles haviam falecido num pavoroso acidente aéreo na localidade Nossa Senhora do Carmo, região do rio Macacoary, na manhã do dia 21 de janeiro de 1958, uma terça-feira. Coaracy Nunes e Hildemar Maia tinham ido aquele povoado prestigiar uma festa que os moradores faziam em louvor a São Sebastião. Como à época não havia estrada de rodagem que ligasse a capital do Amapá àquela localidade, os dois amigos iriam empreender a viagem por via marítima. Foram desaconselhados a fazê-lo porque o percurso era longo e ambos deveriam estar em Porto Platon ao amanhecer do dia 21 de janeiro, a fim de seguirem de trem para Serra do Navio, onde manteriam contatos com técnicos do governo federal ligados às questões geográficas e mineralógicas. Se não tivessem ido ao Macacoary no dia 20, teriam tomado um trem da Estrada de Ferro do Amapá dia 21, na estação do quilômetro nove, então edificada próximo à bifurcação da rodovia BR 15/Macapá-Clevelândia com a estrada que demanda para o Porto de Santana, para cumprir a agenda acertada no Rio de Janeiro, então capital federal do Brasil. Desde o dia 2 de fevereiro de 1956, o Território Federal do Amapá estava sendo governado pelo médico Amílcar da Silva Pereira, que substituiu Janary Nunes quando este foi nomeado pelo Presidente Juscelino Kubtischek para presidir a Petrobras. O Contador Pauxy Gentil Nunes atuava como Secretário Geral, uma espécie de vice-governador. Ao saber que Coaracy e Maia pretendiam ir a Vila Carmo do Macacoary por via fluvial, Amílcar Pereira lhes ofereceu um dos aviões da frota oficial, mas a oferta foi recusada. Eles não queriam dar motivos para que seus adversários políticos os criticassem por trágico de influência junto ao governo territorial.
(Foto: Reprodução/Google imagens)
O  aparelho  em  questão  é  um  Paulistinha CAP-4. O  Paulistinha  CAP-9  era  um pouco   maior, mas  não   tinha  a  mesma  performance  do  CAP-4. 
O Dr. Maia sugeriu ao Dr. Coaracy que o piloto Hamilton Silva fosse contratado para levá-los até o local da festa e no dia seguinte transportá-los até Porto Platon. O aparelho que Hamilton Silva pilotava pertencia a ele e aos senhores Eugênio Gonçalves Machado, pecuarista naquela região, e a Carlos Andrade Pontes, seu genro. Por ser uma aeronave particular, ninguém da oposição teria o que falar. Assim foi feito. Hamilton Silva acertou com os contratantes todos os detalhes da viagem e convidou o amigo Eulálio Nery para acompanhá-los, haja vista que o Eulálio é natural do Macacoary e devoto de Nossa Senhora do Carmo e de São Sebastião. O avião alugado era um Paulistinha, prefixo CAP- 9, com capacidade para quatro pessoas. Não era um aparelho indicado para decolar em pistas curtas, principalmente se estivesse conduzindo muita carga. Ao deixar Macapá, o Paulistinha levava quatro passageiros e um tambor de gasolina alojado atrás das poltronas destinadas aos passageiros. A viajem até Macacoary foi tranqüila e muito divertida. À noite, o baile estava do jeito que o diabo gosta, pelo menos para o Eulálio Nery que grudou numa morena e deixou de lado a condição de “co-piloto”. Dia 21 de janeiro de 1958, por volta das cinco horas da manhã, Coaracy Nunes, Hildemar Maia e Hamilton Silva foram acordados. Fizeram o asseio matinal, tomaram café e seguiram para o campo de aviação local. Bem que eles tentaram convencer o Eulálio Nery a continuar integrando a comitiva, mas o Eulálio tinha sido encantado pela cabrocha interiorana. O dia amanheceu nublado e chovia fino. O piloto Hamilton Silva não queria voar devido ao fato da pista só ter 400 metros, cumprimento nada recomendável para uma decolagem quando o tempo é adverso. Alem disso a pista de terra e areia estava encharcada. O Dr. Maia também ficou receoso. O Dr. Coaracy Nunes não quis faltar ao compromisso acertado para Serra do Navio e estimulou Hamilton Silva, lembrando que em outras ocasiões e em lugares ainda mais hostis o piloto agira com muita destreza.
Esta fotografia dos destroços do CAP-9 foi batida após a abertura da estrada de rodagem que liga Macapá à região do Rio Macacoari, cujo pico foi aberto por iniciativa do pecuarista Eugênio Gonçalves Machado. Antes, o percurso era coberto a cavalo, passando por Santo Antônio e Abacate do Pedreira, São Francisco da Casa Grande e Curiaú . O cidadão de roupa escura que aparece no flagrante é o Governador Terêncio Furtado de Mendonça Porto. A foto, que certamente era do acervo governamental, tem sido usada por quem se dispõe a ilustrar artigos sobre a tragédia do Macacoari.
O avião Paulistinha sinistrado era um dos aparelhos fabricados pela Companhia Aeronáutica Paulista. Até 1949, ano em que a empresa em questão fechou as portas, centenas de aeronaves tinham sido fabricadas nas séries CAP 1 a CAP 9. O Paulistinha CAP 4 foi a série que fez mais sucesso, contando com ótima aceitação pelos aeroclubes do Brasil e empresários. Basicamente, o avião Paulistinha era um aparelho para treinamento primário. Tinha estrutura de tubos soldados de aço cromotibdênio e madeira, coberto de tela. O Paulistinha CAP 9, por exemplo, era uma versão sanitária do CAP 5 e poucas unidades foram fabricadas.Usava motor Franklin fabricado nos Estados Unidos da América e desenvolvia velocidade de 130 km por hora. No momento de sua decolagem na pequena pista do Macacoari, o Paulistinha CAP 9 estava com o tanque cheio e ainda levava razoável quantidade de gasolina em um tambor. Com a explosão deste tambor, provavelmente os ocupantes do avião foram encharcados de gasolina e rapidamente viraram tochas humanas. A credita-se que a simples queda da aeronave ceifou-lhes a vida.
Convencido de que era necessário voar, Hamilton Silva posicionou o Paulistinha na cabeceira da pista e iniciou a operação para a decolagem. O avião teve ótima aceleração, mas perdeu velocidade ao deslocar-se na pista lamacenta. No momento certo alçou vôo e tudo indicava que ganharia os ares. Entretanto, a cauda do Paulistinha bateu no topo de uma portentosa árvore e o pequeno avião despencou contra o chão, explodindo. Momentos de muito tormento viveram as pessoas que estavam na margem da pista, impossibilitadas de fazer algo para debelar as chamas. Num esforço em vão limitaram-se a jogar areia nas labaredas. Quando o fogo apagou, restaram apenas três corpos carbonizados no interior do aparelho. A identificação dos corpos foi feita levando-se em conta a posição que as vítimas ocuparam no momento do embarque. O fogo reduziu a pedaços de carvão os corpos do tripulante e dos ilustres passageiros, que couberam em urnas mortuárias que não chegavam a ter 80 centímetros de cumprimento cada. Naquele fatídico dia, três importantes colunas foram partidas: Coaracy Gentil Monteiro Nunes, 45 anos; Hildemar Pimentel Maia, 38 anos; Hamilton Henrique da Silva, 32 anos. Cada um deles estava simbolicamente representado no monumento erguido em frente ao Colégio Amapaense, na lateral do espaço que passou a ser chamado “Praça da Saudade”. No mesmo dia, pela manhã, autoridades e escoteiros testemunharam a colocação do busto do Dr. Coaracy Nunes sobre uma pilastra na praça fronteiriça ao Aeroporto Internacional de Macapá, hoje transformada em estacionamento.
(Foto: Reprodução)

A Praça da Saudade não foi convenientemente construída devido às mudanças introduzidas na gestão do Território do Amapá a partir de 1961, e principalmente a contar de 1965. O civismo apregoado pelo General Ivanhoé Gonçalves Martins falou mais alto, e no lugar da Praça da Saudade surgiu a Praça Cívica, cujo nome, pouco tempo depois foi modificado para Praça da Bandeira, que nunca mais foi usada para o fim precípuo de sua edificação. A tragédia do Macacoari extinguiu a vida do Dr. Coaracy Nunes, cognominado no Congresso Nacional como “O Deputado da Amazônia”.
(Reprodução)
Nesta vista aérea de Macapá, o local onde seria construída a Praça da Saudade já abrigava a Praça da Bandeira. As obras do Palácio do Setentrião estavam concluídas e o palanque do logradouro público edificado em alvenaria. Posteriormente, diversas modificações foram introduzidas na praça até o estágio atual.
(*) Professor e historiador amapaense
(Artigo publicado, originalmente, em 27 de juLho de 2011 no blog Arambaé, do historiador Nilson Montoril.)

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