Um jovem nordestino inquieto e apaixonado pelo
desconhecido, que, como muitos outros, abandonou tudo em sua terra natal e
partiu para a Amazônia, é nosso homenageado póstumo de hoje.
Eram os tempos dos “Soldados da Borracha”(1). Fez
morada em Macapá, no Igarapé das Mulheres. Trabalhou no Governo, teve filhos
macapaenses e, por lá, permaneceu. Foi um dos primeiros açougueiros do Mercado
Central de Macapá.
A HISTÓRIA DE JOCELITO
Hoje, vamos conhecer a história de
vida de José Jocelito Marques, um cidadão que nasceu em Cascavel–CE,
no dia 05 de junho de 1921, filho de Manoel Ferreira Marques e Ana Ferreira
Marques, agricultores que produziam no Sítio Coaçu, alimentos para
subsistência, assim como cultivavam cana-de-açúcar para produção de rapadura e
produtos derivados, comercializados na feira da cidade. Casou-se com
Maria Merita Marques, em 1944. Em seguida saiu de sua terra natal, sozinho,
deixou a esposa grávida, partiu para a Amazônia, onde, com a criação do
Território Federal do Amapá, houve a necessidade de trabalhadores para a
construção dos prédios públicos. Deixou Cascavel em um caminhão, embarcou num
Ita da Navegação, a vapor, rumo a Belém. Após três dias, chegou a Macapá em uma
embarcação a motor/vela. Cerca de quinze dias de viagens. Iniciou suas
atividades na construção civil, como operário, depois, por sua comunicação com
os nordestinos foi designado Administrador do Barracão dos Emigrantes,
recém-construído. Ficou pouco tempo. Gostava de ser livre, sem patrão,
iniciando sua vida de empreendedor cortando carne bovina em uma pequena casa
construída em madeira, na Rua Cândido Mendes, em frente a Fortaleza de São José
de Macapá, como açougueiro. Com a edificação do Mercado Central recebeu do
prefeito da época dois açougues para comercializar carne bovina. E durante toda
sua vida trabalhou com carnes. Sua união matrimonial com dona Merita foi
abençoada com nove filhos: Jeová, Pedro, Ana Maria, Maria Roseli, Jocelito,
Luizinho (falecido), Luiz, Adonis e Roberto. Em segundas núpcias, com dona Maria
Carmelita, mais um Marques, Ana Cleonice. Nos últimos oito anos de sua vida foi
residir no município de Oiapoque, trabalhando no Mercado Municipal,
comercializando carnes de gado e frango. Em Macapá, construiu sua morada no
Igarapé das Mulheres, na Rua Rio Tefé, número 1. Neste local edificou uma
pequena casa para abrigar nordestinos que vinham em busca de empregos, muitos
se fixaram nas localidades ao longo da estrada de ferro da ICOMI. Ao fixar
morada em Oiapoque, passou a servir diariamente sopa às pessoas que chegavam à
sede do município, vindos de diversas partes do país ou de cidades das Guianas
Francesa/Inglesa/Holandesa. Duas de suas qualidades: fazer amizade e ajudar aos
mais necessitados. Uma coisa que poucos ou quase ninguém sabia sobre a vida de
Jocelito é que ele também bateu uma "bolinha" em Macapá. Embora sem muito
destaque, ele chegou a vestir a camisa do Trem Desportivo Clube, nos primeiros anos de existência da tradicional agremiação esportiva.
As imagens
desta foto, tirada na antiga Praça da Matriz, presumivelmente nos anos 40/50, comprovam que ele foi
conterrâneo de destacados desportistas, que brilharam nos esportes nos
primeiros anos do Amapá. Pelo menos, neste time do Trem Desportivo Clube,
conseguimos identificar, ao lado de Jocelito, os desportistas, José Maria
Chaves e Avertino Ramos, Seu José Jocelito Marques, faleceu no Hospital Geral de Macapá (atual Hospital das Especialidades) no
dia 20 de abril de 1992, tendo como causa uma hemorragia pulmonar; está sepultado no jazigo da
família Marques, no Cemitério São José, no Bairro Santa Rita.
Uma frase dele que marcou: ao chegar
em Macapá, vendo o Rio Amazonas, exclamou: -- “tanta água no lugar errado. No
meu Nordeste é preciso rezar para ela chegar”.
Em justo reconhecimento à sua
memória, o nome de José Jocelito Marques está perpetuado em uma via de acesso
ao Loteamento Flórida, bairro Equador, no município de Santana–AP.
Escrito por Jeová Marques
(18/07/2024) – filho mais velho de nosso biografado.
A mesma história na versão de Luiz Corrêa, outro
filho de Jocelito.
José Jocelito
Marques
A
Saga de um nordestino - Cascavel–CE.
Seu Jocelito foi à feira de Cascavel, que
ocorria aos sábados. Quando estava na feira, apareceu um caminhão Ford,
convocando pessoas para serem soldados da borracha, na Amazônia, no Projeto de
Henry Ford, para fabricação dos pneus para carros. Não existia no mundo
borracha para suprir sua fábrica, resolveu ele mesmo produzir lá pelos anos
1940. Seu Jocelito, em 1944, viu nessa convocação uma oportunidade de mudar de
vida. Pegou o dinheiro que tinha, enviou para sua esposa D. Merita, pelos
vizinhos do sítio de seu pai, dizendo a ela: - “Merita vou para a Amazônia
trabalhar, para conseguir dinheiro para comprarmos uma casa.”
Subiu no caminhão e foi para Fortaleza. Já
havia um navio aguardando no porto. Seguiu viagem até Santarém. Trabalhou de
seringueiro, mas não era a sua praia. Um dia ouviu falar que havia sido criado
o Território Federal do Amapá. Deixou o seringal, pegou um barco e viajou para o
Amapá, Macapá. Conseguiu emprego no governo local, trabalhando em serviços
gerais de construções. Administrou o Barracão dos Migrantes. Trabalhou por uns
tempos, se sentiu amarrado no trabalho, resolveu empreender. Foi ser açougueiro.
Foi bem-sucedido nessa empreitada. Tendo talhos (açougues), fora, no antigo
Mercadinho e dentro do Mercado Municipal. Se tornou marchante (negociador de
carnes), comprava gado da Fazenda Camurupim, da Ilha de Marajó, abatia as rezes
e entregava nos açougues para os açougueiros.
Ante toda essa saga, enviou uma carta para dona
Merita, que podia vir, pois havia conseguido uma casa, que era o seu objetivo.
O seu primogênito Jeová, nascido em 1945, já
estava com um ano e meio e o tio José Esteves, seu irmão, trouxe dona Merita
para Macapá.
Seu Jocelito havia trabalhado muito para criar
os filhos. Os mesmos se reuniram para que parasse de trabalhar. Então teria uma
aposentadoria. Sabendo disso, empreendeu viagem para o Oiapoque para não
aceitar a proposta. No Oiapoque, aprendeu a falar francês e crioulo. Era amigo
do prefeito de São Jorge de Oiapoque/França e de todo mundo da cidade de
Oiapoque.
Seu Jocelito fazia uma sopa diária para os que
deixavam a cidade e para os que chegavam das guianas.
Quando criança, em Macapá, lembro que havia uma
latada (barracão), onde recebia os nordestinos que iam para as colônias de
Porto Grande, Pedra Branca e demais paragens do trem da ICOMI. Os colonos
pegavam o trem na estação férrea do km 09.
Quando seu Jocelito deixou o Ceará, ele era
considerado uma pessoa sem juízo para a época.
Eu, Luiz Corrêa, um dos filhos do seu Jocelito,
visitando as nossas origens em Fortaleza, Aquiraz e Cascavel–CE, no ano de
2023, ouvi seus parentes dizerem que ele era além do tempo dele. Ou seja, papai
tinha uma visão de águia.
Macapá, 19/07/2024
Escrito por: Luiz Corrêa, o filho com as mesmas
qualidades do pai Jocelito. (Desbravador).
(1) Os soldados da borracha foram os brasileiros que entre 1943 e 1945 foram alistados e transportados para a Amazônia pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA), com o objetivo de extrair borracha para os Estados Unidos da América (Acordos de Washington) na II Guerra Mundial. Estes foram os peões do segundo ciclo da borracha e da expansão demográfica da Amazônia. O contingente de soldados da borracha é calculado em mais de 55 mil, sendo na grande maioria nordestinos.(Wikipédia)
(Última atualização às 16h, em 26/07/2024)