Em janeiro de 2010, o jornalista amapaense Édi Prado, preparou uma matéria,
publicada no Jornal “A Gazeta”, de Macapá, a partir de uma entrevista feita com
“Marinheiro, só”, uma figura conhecida na cidade por só andar de branco,
vestido de marinheiro. É tido como místico, uma espécie de "pai de
santo", espiritualista, folclórico.
Com
as devidas atualizações, reproduzimos a conversa com o legendário senhor:
Texto de Édi Prado
Falamos do Sr. Joaquim Picanço do
Espírito Santo (Seu Joaquinzinho), uma figura exótica, de 91 anos, 1,70 m de
altura, nascido em Macapá, no dia 15 de novembro de 1920, mais conhecido como “Marinheiro”.
Os pais biológicos dele são os macapaenses, Joaquim Lino do Espírito Santo e
Maria Isabel Picanço. Ele vive fardado 24 h. Menos na hora de dormir. Prefere o
pijama branco, “por ser mais fresquinho”!
Ele circula a pé pela cidade inteira vestido de marinheiro sempre a rigor
portando o gorro ou casquete como ele chama. Na rua só cumprimenta os que o
cumprimentam. Caminha solitário com aquelas botas negras canos longos em busca
de ervas e meizinhas (remédio caseiro) para tratar as pessoas que o procuram na
Seara Espírita São Miguel – Santo de Deus e Virgem Maria - que ele atende na
Av. Salgado Filho, 600, no bairro Santa Rita. Ele diz pertencer à 'Linha das
Ciências Ocultas de Israel'.
Na tenda humilde, existem os
“pontos” no chão, símbolos semelhantes aos usados em Umbanda e Candomblé. “Cada
ponto atende uma Entidade ou uma Legião usada para os mais diversos trabalhos”.
Faz mistério. “Só não faço o mal. Sou um cirurgião espiritual. Curo o corpo e
trato da vida espiritual das pessoas. Sirvo a Deus e ao Rei Sebastião de
Israel, Rei do Mar”, diz convicto.
Seu
Joaquinzinho, diz: “Já vim com a Missão
Espiritual. Descobri desde gitinho”(pequeno), revela com os olhos acesos
esbranquiçados, realçados pela pele negra e cabelos brancos. Na rua onde mora,
recorda, era o roçado (roça) do Gardeano. Era uma floresta. Lá ele caçava, tinha
roçado e aprendeu a lidar com a mata. Em 1945, durante a 2ª Guerra Mundial, foi
servir à Marinha do Brasil em Oiapoque, na “guerra contra os japoneses”, como
dizem os veteranos de guerra com mais de 80 anos. Na visão dele, o inimigo era
o japonês. Era cabo armeiro e instrutor de armas. Tanto no manuseio quanto no
conserto e reparos de armas. “Lidava com
50 homens” recorda. Atuou durante oito anos no Vapor Oiapoque. Viajou o
Brasil inteiro nele. Era ágil. Com 1,70m, pesando 88 kg ele diz que saltava
1,78 m de altura. Quando acabou a guerra deu baixa na Marinha ingressou na
extinta Guarda Territorial. Passou 24 anos e largou tudo para cuidar da
“Missão”.
Em
Oiapoque conheceu os Samaracás, negros franceses que conhecem profundamente o
mundo espiritual. Sabem dos mundos encantados debaixo da terra. Foi com eles
que teve o iniciado nesse Mundo Encantado. Em Clevelândia do Norte, no Oiapoque
ele teve que submeter-se a uma provação: ficar um mês e 15 dias num mundo
encantado embaixo da Terra. “Lá tem tudo
que tem aqui em cima: Igreja com imagem do Coração de Jesus, Exército de
Cavalaria do Povo de Deus, cachoeiras, rios, lagos e tudo que tem na natureza.
Foi lá que aprendi os segredos do dom que Deus me deu. A fazer a operação dos
milagres e saber ser orientado para a realização das cirurgias espirituais e a
base das Ciências Ocultas”, narra com olhar de desafio e de vitória.
“O meu tio 'Juvenço' (Juvêncio) foi e não voltou. Foi nesse tempo em que o
município de Santana secou e aparecia um tufo de água”, relembra. No km 13
da BR 156 existe uma cidade encantada. Lá ele também foi “estagiar”. Nesse
lugar existem homens e mulheres engalanados(enfeitados), com estrelas nas fardas e onde se
concentra um dos maiores Exércitos do mundo de Israel. Têm também na Aldeia do
Sá, Kamuru e Aldeia do Louro. É a cidade dos homens encantados. “Mas isso você não vai entender” e ri
maroto desconversando dando tapinhas nas costas.
Ele
diz ter o poder da cura através dos guias curandeiros desses mundos. “Mas
não posso cobrar nada. Não posso pedir dinheiro. Se fizer isso perco os
encantos e a punição é tão grande, que é preferível a morte”, adverte-se.
Perguntado como ele vive, ao lado da mulher, Marciana Ferreira, 84 anos, que
estão juntos há 40 anos e não têm filhos biológicos, só os médiuns que ele
orienta. Pai Joaquim diz que as pessoas que o procuram fazem oferta por livre e
espontânea vontade e o ajudam com os alimentos e outras necessidades. “Mas quem não puder ou não quiser, não é
obrigado. O serviço de cura precisa ser feito”, assegura. Ele prepara as
garrafadas com ervas especiais para cada doença. Tem doença que o médico leva
até seis meses para curar e às vezes nem cura tem para eles e aqui essa mesma
doença é tratada com cura em até três meses ou menos. “Além das meizinhas tem as rezas. As que uso geralmente chegam a 330
rezas e benzeções. Mas conheço muito mais. Cuido do corpo e do espírito”,
afirma. O ‘Pai Joaquim' garante que nunca foi autorizado a entrar, mas existe
outro grande Exército do Povo de Israel na Lagoa dos Índios. Uma cavalaria
muito grande. “Eu sei onde fica o
caminho, mas não posso mostrar. E mesmo que mostrasse, ninguém vai conseguir
ver”, disfarça.
Ele
trabalha em sessão de cura aos sábados de 13 as 15 horas. “Aqui fica cheio de gente” orgulha-se. Revela que recebe a orientação
do Dr. Diogo e do Mestre Tucupi Maiaú, Rei dos Índios, que vem com roupa de
guerra. E é lá, no meio da Seara, onde existem os 'pontos' é que ele “corta o
serviço”. É onde toda a ação do mau é quebrada e presa à serpente. “O mau é anulado com a força de Deus, Virgem
Maria Santíssima, São Jorge Cavaleiro e o Divino Espírito Santo. O coisa feia
não enfrenta, não” garante. Mas existem outros Santos que são
evocados: São Miguel Arcanjo, São
Sebastião e outros, dependendo da ocasião. Ele diz que não gosta e nem aceita
quem fica enganando as pessoas. “Temos
que fazer o bem. Só o bem”, enfatiza. Como não tem outro emprego, não
recebe pensão, aposentadoria, nem outra fonte de renda, o que ele faz é pedir
que as pessoas comprem o material que será usado nas sessões de cura, as ervas
e outros ingredientes, para eles mesmos.
Por
ser obrigado sempre a se fardar de marinheiro, a indumentária apresenta-se
rôta, remendada e não tão elegante como deve ser um marinheiro que se preza.
Ele diz que aceita a 'fazenda', o pano branco de brim ou outro tecido mais
duradouro. Mas ele manda fazer a farda.
Não aceita a farda pronta. “Tem
uns segredinhos na confecção”. Na
casa dele, ao lado da Seara tudo é muito humilde e carente. Só três 'bicos” de
lâmpadas, mesa e bancos de madeira.
O mais interessante é um poço, de onde
retira a água para consumo, no meio da cozinha. Um balde, uma corda e uma
roldana são os instrumentos rústicos que abastecem a casa e a Tenda.
As
poucas fardas que tem estão bem usadas e como não tem máquina para lavar a
roupa, ainda precisa dos braços de D.
Marciana Ferreira.
“Ela lava, mas
no período de chuva, não tem tempo de secar e tenho que usar a farda”
justifica. No dia da entrevista a equipe
de corte da Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) foi fazer o serviço. Ele
implorou para que não cortassem a luz. Tinha muito cliente para atender e não
podia fazer isso no escuro. Inútil o clamor. A equipe de reportagem pagou a
conta e pediu a religação. A conta de energia cobrada pela CEA é incompatível e
absurda com o consumo de alguns bicos de luz, uma bomba para tirar a água do
poço e uma geladeira: R$ 133,80. “Deve de
ter alguma coisa errada aqui. Tem gente que tem muito mais coisa do que eu e
não paga nem a metade disso”, desabafa.
Pai
Joaquim diz que deve ter um governo que cuide do povo. Que seja orientado sobre
essas injustiças. “Eles gastam milhões
com futebol, carnaval e outras festas e deixam cortar a energia de uma casa que
vive só para fazer o bem e não cobra nada por isso. Quando eu curo aqui o hospital
deixa de receber doentes. O governo precisa de gente que oriente sobre essas
injustiças”. Apela aos deputados e vereadores “que reconheçam e saibam dessas pessoas, como puxadeiras, benzedeiras e
casas como a minha, que atende de graça, que sofrem com a falta de água e luz
porque não podem pagar”.
Diz
também que tem certeza de que o governador nunca foi informado sobre essa
situação. “Se ele souber ele vai dar um
jeito. Mas não posso sair daqui para pedir para ele. Mas vocês podem escrever
isso aí? ” Desafiou. E o tal homem
de branco, o eterno marinheiro se revelou um grandioso ser humano. Amável e
gentil nas respostas e nada atemorizador, como imaginam, quem o vê rondando a
cidade em busca das ervas para curar os enfermos.
Texto
do jornalista amapaense, Édi Prado, publicado, no Jornal “A Gazeta”, de Macapá,
em 15 de janeiro de 2010, a partir de uma entrevista feita com “Marinheiro,
só”.
Título
original da matéria: Marinheiro, só – ele vive num mundo encantado!