Nossa Foto Memória de hoje, foi reproduzida do “Cantinho da vó”
Carmem Maia, nossa amiga de longas datas e profissional de grandes méritos na
Educação do Amapá.
Ela é filha do Mestre Chico, ou melhor, Seu Francisco Xavier
das Chagas e D. Nair Monteiro Chagas.
Carmem descreve em seu blog que Mestre Chico nasceu de uma família
grande. Tinha muitos irmãos. Não se formou na escola. Foi alfabetizado pela
mãe. Aprendeu as contas de mais e de menos, a ler folhinhas de calendário e a Bíblia.
Coisa que gostava muito de fazer na Semana Santa, mas a escola da vida foi mais
do que suficiente para torná-lo Mestre. Na verdade, era mestre em natureza. Mas
quem lhe deu essa alcunha foi a profissão de carpinteiro.
Mestre Chico não parava com o serrote. Os braços dos primeiros
postes foram esculpidos também por suas mãos. Nesse período tornou-se Mestre em
eletricidade.
Além de carpinteiro Mestre Chico era também pescador e
adorava construir canoas.
Todo mundo conhecia Mestre Chico. Ou seria Mestre
Chico que conhecia todo mundo?
De manhã bem cedo lá ia ele descendo a ladeira do
famoso Bairro Alto. Era alto também. Esguiu, coluna dura. Nunca deixava o boné
e a sacola que carregava com os tesouros que lhe ajudavam a completar o
sustento da família .
A família desconfiava que era mais construtor do que o
resto que dizia saber fazer .
Mestre Chico, já beirando os setenta anos, ainda
garantia galanteios para as moças que frequentavam o bar Caboclo e/ou rondavam à
noite na praça do cemitério.
De onde vem tanta juventude, perguntavam os amigos.
Ele sempre respondia que dormia cedo, bebia muito pouco e andava
muito a pé. Também revelava que o segredo de sua vitalidade
era a Catuaba. Bastava uma xicara de chá por dia que o resultado era de lascar.
Um dia, lá por Belém do Pará, ganhou da mulher do filho mais velho, um
disco. Eita coisa boa! Escuta só mulher, que musica porreta! E lá ia ele
saltitando nas pontas dos pés o “Morena Tropicana, Eu Quero Teu Amor”. Mas, a mulher tinha
horror dos nomes feios e das estrepolias que ele fazia. Na verdade, lá por
dentro, ela bem que o admirava, só não
falava para não dar o braço a torcer.
Mestre Chico,
para não perder a habilidade, sempre tecia uma rede de pesca. Passava
horas sentado lá atrás, na área externa
da casa, tecendo-a e fazendo planos de quantos peixes iria pescar.
Quando a saudade batia, juntava a sacola, a faca, um punhado de
farinha e lá ia ele visitar os parentes e amigos que viviam nas ilhas próximas.
Passava dias andando pelos rios que ele conhecia tão bem. Às vezes, levava o
violão e tocava para os amigos dançarem e cantarem juntos.
Levanta a perna Bonifácio. Isso, agora vire que eu vou
esfregar o sabão. E o porco obedecia. Era cria para comer nos 15 anos da filha
mais nova. O porco ficou tão domesticado que ninguém conseguiu comer. Ele mesmo
saiu distribuindo a carne pela
vizinhança.
Mestre Chico casou todos os filhos. Eram sete. Deram
muito trabalho pra Dona Nair, mulher que era forte, trabalhadora, de gestos finos, católica e apostólica. Exemplo de bravura e perseverança. Aquela
mulher que tanto a Bíblia fala.
Ele conseguiu viver com todos numa boa. Não havia cobranças.
Até a porta da casa era fechada com um cordão. Era só puxar e entrar. Por que brigar? Cada um deve
saber os seus limites e Mestre Chico não aceitava que sua liberdade fosse
tolhida. Nascido à beira do rio, criado
solto, convivendo com o boto e as assombrações da Mata, não conseguia entender
que as pessoas não pudessem dispor de suas próprias vidas.
Mestre Chico arremedava as pessoas, mexia com um e com
outro. Até a mulher não escapava dos seus gracejos.
Mestre Chico construía tudo. Convivia com a natureza
tão de perto, que conversava com os pássaros,
que benzia os doentes, que comia peixe cru.
Mestre Chico era assim: esquisito, diferente, puro.
Mestre Francisco Xavier das Chagas faleceu dia 20 de março de
1985.
Esse era Mestre Chico, um grande homem!
Texto de Carmem Maia adaptado para o blog Porta-Retrato, com a devida anuência da autora.