O Manga partiu, mas deixou um legado e muitas histórias na lembrança de seus amigos...
Crônica da Vida
"O GAROTO DAS MARMITAS"
Por
Humberto Moreira (*)
Foi
quando eu morava na curva da Casa Santa Maria, ali no começo do bairro, que
bati com os olhos naquele garoto branquelo e corpulento, que entregava
marmitas. Se não me engano, a Dona Perpétua, mãe dele, vendia comida aos que
trabalhavam nas redondezas do Mercado Central, edificação que não ficava longe
da casa da minha avó. Naquela época, antes de completar 10 anos, eu ainda não
sabia que iria manter uma relação de amizade com aquele garoto. Amizade
sacudida por algumas discordâncias movidas por opiniões divergentes. Tenho
certeza que a gente mantinha um respeito mútuo, fruto de longa convivência no
mundo do futebol. Eu trabalhando desde o começo na imprensa esportiva e ele
militando nos clubes da cidade como treinador. Estou falando de José Maria
Gomes Teixeira, que nos deixou nesta sexta após se retirar das lides
esportivas, deixando para trás uma longa trajetória no campo da Praça Nossa
Senhora da Conceição, onde comandou por muito tempo a Associação Casados e
Solteiros do Bairro do Trem. Manga era botafoguense, como eu e tenho certeza
que, se permanecesse mais um pouco entre nós, estaria vibrando com a fase atual
do Glorioso.
Juntos
ultrapassamos as fronteiras da nossa aldeia correndo literalmente atrás da
bola. Ele colocando seus times em campo e eu contando a história no microfone.
Em duas oportunidades tivemos o prazer de dividir resultados importantes. Devo
dizer antes que vida esportiva do meu amigo começou no Trem Desportivo Clube,
onde foi atleta e depois técnico, revelando um sem número de jogadores. Cito
aqui três ícones do nosso futebol, que, de alguma forma, foram orientados pelo
Manga. Roberto Foguetinho, Vitor Jaime e Mário Sérgio. Estes viveram grandes
momentos sob a batuta do treinador que, talvez tenha sido quem mais vezes
exerceu o comando do rubro-negro. Mas Manga não ficou exclusivamente no Trem.
Ele foi campeão no Amapá Clube comandando o craque Marcelino, que depois, faria
sucesso no exterior (Los Angeles Aztecs, América e Necaxa). No Copão da
Amazônia de 1989 ele conquistou o título com o Independente numa jornada que
começou em Santarém e terminou no estádio Aluísio Ferreira, em Porto Velho. E
eu estava lá com Paulo Silva contando essa história. Depois fomos a Guiana
Francesa com a seleção amapaense, quando Haroldo Vitor Santos era presidente da
FAF. A crônica representada por mim, Anibal Sérgio e João Silva. O jogo inicial
contra a seleção da Liga local, foi um espetáculo inesquecível. O empate deixou
a gente com orgulho de ser amapaenses. A seleção tinha craques como Miranda,
Jorge Nunes, Nerivaldo, Eulan, Edinho, Vitor, Foguetinho e Camecrã. Os caras
também tinham um time de respeito, com craques como Maluda (Chelsea e Seleção
Francesa) e Darcheville, que jogou em clubes da Europa por muito tempo.
O
segundo jogo foi em Kourou, contra o Geldar, time da Legião Estrangeira e o
Trem ganhou por um a zero, com um gol do “Trator” Miranda. No comando estava
ninguém menos que o Manga. O treinador ainda passou pelo Esporte Clube Macapá,
Ypiranga e Santos. Vez em quando a gente batia de frente por não concordarmos
com alguma coisa. Inteligente que só ele o Zé Maria sabia como me aborrecer.
Ele mandou botar um número bem pequeno na camisa do Amapá Clube e embaralhou a
formação, de maneira que o número onze estava com o lateral direito o número
dois era um meio campista e assim sucessivamente. Tive que me virar para
transmitir o jogo pois o número é o que identifica o jogador em campo. Hoje as
coisas mudaram, mas antes os números eram fixos de um a onze. Esse foi mais um
motivo de divergência. Mas a gente sempre acabava se entendendo.
José
Maria Gomes Teixeira comandou por muito tempo a Copa do Mundo Marcílio Dias,
que começou no campinho da tropa escoteira e se transferiu depois para a Praça
Nossa Senhora da Conceição. Sempre em parceria com figuras como o narrador
Manoel Biroba e o jornalista Pantaleão Oliveira. O evento é a maior competição
amadora do país. Hoje são mais de 100 seleções disputando o título. Manga ficou
na direção até começar a ter problemas de saúde. Passou o bastão para pessoas
como Vitor Jaime e foi morar na Zona Norte. O nosso amigo também tinha o seu
lado folclórico. Foi um dos criadores do futebol à fantasia nos carnavais e
quando esteve no comando do Independente produziu vários “causos”. Contam os
jogadores do elenco do “Carcará” que Manga era fã do goleiro Camecrã. Porém,
esse jogador, que estudava advocacia em Macapá, não podia frequentar os
treinos, pois tinha os seus afazeres. Além disso, os treinamentos eram
realizados em Santana. O reserva era Apolônio, um goleiro muito bom também.
Morando no município portuário, Apolônio não perdia nenhum treino. O time
alviverde tinha um clássico para jogar no domingo seguinte. Na sexta Camecrã
deu as caras no treino. Manga ficou com a batata quente na mão, pois Apolônio
estava preparado para ser o titular pegando até pensamento. Mas o treinador
matutou até arrumar uma maneira de barrar o goleiro reserva. Ele disse que ia
fazer um treino sem bola com os dois goleiros. Simulou estar segurando uma bola
e botou o Camecrã no gol. O técnico fingia que atirava a bola no gol e o goleiro
titular fingia que pegava. Aí vinham os elogios para as supostas defesas de
Camecrã. Após fazer isso várias vezes, o Zé Maria mandou Apolônio para o gol. O
reserva não se fez de rogado. Só que desta vez o técnico mudou. Ele simulava
ter jogado a bola num canto, Apolônio se atirava no chão e Manga calmamente
fingia jogar a bola para o outro lado. Era como se ele usasse uma paradinha
para tirar o goleiro reserva da jogada. Depois de repetir o engodo várias
vezes, Manga disparou:
- Tá
vendo. Estás sem reflexos. Vou ter que escalar o Camecrã.
E como
esta foram várias histórias engraçadas protagonizadas pelo MANGA LOVE, que
partiu (...) para se encontrar com o criador. Quem o conheceu sabe que ele
foi um ser humano com erros e acertos como todos nós. Sua história é uma página
importante no livro do futebol amapaense.
Quero
deixar aqui minhas homenagens ao amigo que parte e dizer que ele vai fazer
falta. Quando a gente falar nos treinadores de futebol amapaense vai lembrar
com certeza daquele garoto das marmitas e da Copa do Mundo Marcílio Dias. Boa
viagem Manga. Que a sua última jornada voltando para Deus seja tranquila.
(*) radialista, jornalista e cantor do Amapá