Por Nilson Montoril (*)
(Reprodução de Jornal)
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A então Praça da Saudade(1967),que o Governador Ivanhoé
Gonçalves Martins já chamava de Praça Cívica, sem a urbanização necessária.
Observe que na área onde foi construido o Palácio do Setentrião havia um campo
de futebol delineado por alunos do Colégio Amapaense. O espaço correspondia a um
pequeno trecho do velho aeroporto da Panair do Brasil. O palaque de madeira era
montado no final de agosto e desmontado após os festejos da semana da Pátria e
do Território. O mastro onde a Bandeira Nacional era hasteada ficava no centro
da praça.
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Quem vê a Praça da Bandeira urbanizada, nem de longe imagina
que naquele local, no dia 21 de janeiro de 1959, os amapaenses ergueram um
singelo monumento compreendendo um pilar em alvenaria, tendo no topo uma base em
concreto, encimada pelo mapa do Amapá e sobre ele três colunas partidas. Antes
do pano que cobria o monumento ser descerrado, foi realizada uma missa campal
celebrada pelo bispo Prelado de Macapá, D. Aristides Piróvano. Centenas de
pessoas conduziam cartazes com as fotografias de três ilustres cidadãos:
deputado federal Coaracy Gentil Monteiro Nunes, o suplente de deputado Hildemar
Pimentel Maia e o Oficial Administrativo Hamilton Henrique da Silva. Eles haviam
falecido num pavoroso acidente aéreo na localidade Nossa Senhora do Carmo,
região do rio Macacoary, na manhã do dia 21 de janeiro de 1958, uma terça-feira.
Coaracy Nunes e Hildemar Maia tinham ido aquele povoado prestigiar uma festa que
os moradores faziam em louvor a São Sebastião. Como à época não havia estrada de
rodagem que ligasse a capital do Amapá àquela localidade, os dois amigos iriam
empreender a viagem por via marítima. Foram desaconselhados a fazê-lo porque o
percurso era longo e ambos deveriam estar em Porto Platon ao amanhecer do dia 21
de janeiro, a fim de seguirem de trem para Serra do Navio, onde manteriam
contatos com técnicos do governo federal ligados às questões geográficas e
mineralógicas. Se não tivessem ido ao Macacoary no dia 20, teriam tomado um trem
da Estrada de Ferro do Amapá dia 21, na estação do quilômetro nove, então
edificada próximo à bifurcação da rodovia BR 15/Macapá-Clevelândia com a estrada
que demanda para o Porto de Santana, para cumprir a agenda acertada no Rio de
Janeiro, então capital federal do Brasil. Desde o dia 2 de fevereiro de 1956, o
Território Federal do Amapá estava sendo governado pelo médico Amílcar da Silva
Pereira, que substituiu Janary Nunes quando este foi nomeado pelo Presidente
Juscelino Kubtischek para presidir a Petrobras. O Contador Pauxy Gentil Nunes
atuava como Secretário Geral, uma espécie de vice-governador. Ao saber que
Coaracy e Maia pretendiam ir a Vila Carmo do Macacoary por via fluvial, Amílcar
Pereira lhes ofereceu um dos aviões da frota oficial, mas a oferta foi recusada.
Eles não queriam dar motivos para que seus adversários políticos os criticassem
por trágico de influência junto ao governo territorial.
(Foto: Reprodução/Google imagens)
O aparelho em questão é um Paulistinha CAP-4. O Paulistinha CAP-9 era um pouco
maior, mas não tinha a mesma performance do CAP-4.
O Dr. Maia sugeriu ao
Dr. Coaracy que o piloto Hamilton Silva fosse contratado para levá-los até o
local da festa e no dia seguinte transportá-los até Porto Platon. O aparelho que
Hamilton Silva pilotava pertencia a ele e aos senhores Eugênio Gonçalves
Machado, pecuarista naquela região, e a Carlos Andrade Pontes, seu genro. Por
ser uma aeronave particular, ninguém da oposição teria o que falar. Assim foi
feito. Hamilton Silva acertou com os contratantes todos os detalhes da viagem e
convidou o amigo Eulálio Nery para acompanhá-los, haja vista que o Eulálio é
natural do Macacoary e devoto de Nossa Senhora do Carmo e de São Sebastião. O
avião alugado era um Paulistinha, prefixo CAP- 9, com capacidade para quatro
pessoas. Não era um aparelho indicado para decolar em pistas curtas,
principalmente se estivesse conduzindo muita carga. Ao deixar Macapá, o
Paulistinha levava quatro passageiros e um tambor de gasolina alojado atrás das
poltronas destinadas aos passageiros. A viajem até Macacoary foi tranqüila e
muito divertida. À noite, o baile estava do jeito que o diabo gosta, pelo menos
para o Eulálio Nery que grudou numa morena e deixou de lado a condição de
“co-piloto”. Dia 21 de janeiro de 1958, por volta das cinco horas da manhã,
Coaracy Nunes, Hildemar Maia e Hamilton Silva foram acordados. Fizeram o asseio
matinal, tomaram café e seguiram para o campo de aviação local. Bem que eles
tentaram convencer o Eulálio Nery a continuar integrando a comitiva, mas o
Eulálio tinha sido encantado pela cabrocha interiorana. O dia amanheceu nublado
e chovia fino. O piloto Hamilton Silva não queria voar devido ao fato da pista
só ter 400 metros, cumprimento nada recomendável para uma decolagem quando o
tempo é adverso. Alem disso a pista de terra e areia estava encharcada. O Dr.
Maia também ficou receoso. O Dr. Coaracy Nunes não quis faltar ao compromisso
acertado para Serra do Navio e estimulou Hamilton Silva, lembrando que em outras
ocasiões e em lugares ainda mais hostis o piloto agira com muita
destreza.
Esta fotografia dos destroços do CAP-9 foi batida após a abertura da estrada de
rodagem que liga Macapá à região do Rio Macacoari, cujo pico foi aberto por
iniciativa do pecuarista Eugênio Gonçalves Machado. Antes, o percurso era
coberto a cavalo, passando por Santo Antônio e Abacate do Pedreira, São
Francisco da Casa Grande e Curiaú . O cidadão de roupa escura que aparece no
flagrante é o Governador Terêncio Furtado de Mendonça Porto. A foto, que
certamente era do acervo governamental, tem sido usada por quem se dispõe a
ilustrar artigos sobre a tragédia do Macacoari.
O
avião Paulistinha sinistrado era um dos aparelhos fabricados pela Companhia
Aeronáutica Paulista. Até 1949, ano em que a empresa em questão fechou as
portas, centenas de aeronaves tinham sido fabricadas nas séries CAP 1 a CAP 9. O
Paulistinha CAP 4 foi a série que fez mais sucesso, contando com ótima aceitação
pelos aeroclubes do Brasil e empresários. Basicamente, o avião Paulistinha era
um aparelho para treinamento primário. Tinha estrutura de tubos soldados de aço
cromotibdênio e madeira, coberto de tela. O Paulistinha CAP 9, por exemplo, era
uma versão sanitária do CAP 5 e poucas unidades foram fabricadas.Usava motor
Franklin fabricado nos Estados Unidos da América e desenvolvia velocidade de 130
km por hora. No momento de sua decolagem na pequena pista do Macacoari, o
Paulistinha CAP 9 estava com o tanque cheio e ainda levava razoável quantidade
de gasolina em um tambor. Com a explosão deste tambor, provavelmente os
ocupantes do avião foram encharcados de gasolina e rapidamente viraram tochas
humanas. A credita-se que a simples queda da aeronave ceifou-lhes a vida.
Convencido de que era
necessário voar, Hamilton Silva posicionou o Paulistinha na cabeceira da pista e
iniciou a operação para a decolagem. O avião teve ótima aceleração, mas perdeu
velocidade ao deslocar-se na pista lamacenta. No momento certo alçou vôo e tudo
indicava que ganharia os ares. Entretanto, a cauda do Paulistinha bateu no topo
de uma portentosa árvore e o pequeno avião despencou contra o chão, explodindo.
Momentos de muito tormento viveram as pessoas que estavam na margem da pista,
impossibilitadas de fazer algo para debelar as chamas. Num esforço em vão
limitaram-se a jogar areia nas labaredas. Quando o fogo apagou, restaram apenas
três corpos carbonizados no interior do aparelho. A identificação dos corpos foi
feita levando-se em conta a posição que as vítimas ocuparam no momento do
embarque. O fogo reduziu a pedaços de carvão os corpos do tripulante e dos
ilustres passageiros, que couberam em urnas mortuárias que não chegavam a ter 80
centímetros de cumprimento cada. Naquele fatídico dia, três importantes colunas
foram partidas: Coaracy Gentil Monteiro Nunes, 45 anos; Hildemar Pimentel Maia,
38 anos; Hamilton Henrique da Silva, 32 anos. Cada um deles estava
simbolicamente representado no monumento erguido em frente ao Colégio Amapaense,
na lateral do espaço que passou a ser chamado “Praça da Saudade”. No mesmo dia,
pela manhã, autoridades e escoteiros testemunharam a colocação do busto do Dr.
Coaracy Nunes sobre uma pilastra na praça fronteiriça ao Aeroporto Internacional
de Macapá, hoje transformada em estacionamento.
(Foto: Reprodução)
A Praça da Saudade não
foi convenientemente construída devido às mudanças introduzidas na gestão do
Território do Amapá a partir de 1961, e principalmente a contar de 1965. O
civismo apregoado pelo General Ivanhoé Gonçalves Martins falou mais alto, e no
lugar da Praça da Saudade surgiu a Praça Cívica, cujo nome, pouco tempo depois
foi modificado para Praça da Bandeira, que nunca mais foi usada para o fim
precípuo de sua edificação. A tragédia do Macacoari extinguiu a vida do Dr.
Coaracy Nunes, cognominado no Congresso Nacional como “O Deputado da
Amazônia”.
(Reprodução)
Nesta vista aérea de Macapá, o
local onde seria construída a Praça da Saudade já abrigava a Praça da Bandeira.
As obras do Palácio do Setentrião estavam concluídas e o palanque do logradouro
público edificado em alvenaria. Posteriormente, diversas modificações foram
introduzidas na praça até o estágio atual.
(*) Professor e historiador amapaense
(Artigo publicado, originalmente, em 27 de juLho de 2011 no
blog Arambaé, do historiador Nilson Montoril.)