Ele foi fundador do Jornal Amapá e Primeiro Diretor da Rádio Difusora de Macapá.
(Foto gentilmente cedida pelo economista Paulo José Cavalcanti de Albuquerque, filho de Paulo Eleutério)
PAULO ELEUTÉRIO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, jornalista e intelectual, nasceu em
Manaus, Estado do Amazonas, em 9 de fevereiro de 1914. Filho do também intelectual
e jornalista Paulo Eleutério Álvares da Silva e Amélia Mendes Álvares da Silva.
Fez o curso primário em Manaus e o secundário no Instituto Universitário e no
Colégio Estadual Paes de Carvalho, em Belém, para onde se transferiu com seus
pais. Retomou a Manaus, ingressando na Faculdade de Ciências Econômicas. Abandonou
o curso e, novamente, seguiu para Belém, bacharelando-se em Direito no ano de 1938.
Durante o tempo em que viveu em Manaus, trabalhou como redator na imprensa
amazonense, tendo assumido o cargo de Secretário do Jornal do Comércio. Exerceu
atividades públicas no interior do Amazonas. Formado em Direito e com o curso
de Oficial da Reserva do Exército, viajou para o Estado do Acre e ingressou na
Polícia Militar com a patente de 1º tenente. Foi nomeado Ajudante de Ordens do
Governador Epaminondas Martins; Delegado Auxiliar; Chefe da Seção de Ordem
Política e Social e Chefe de Polícia do Território do Amapá. Retomando a Belém,
foi convidado pelo Governador do Território Federal do Amapá Capitão Janary
Gentil Nunes, tendo chegado a Macapá, no dia 17 de maio de 1944. Exerceu as
funções de Chefe de Polícia, Comandante da Guarda Territorial, Chefe do Serviço
de Imprensa e Propaganda. Fundou o Jornal Amapá, orgão do governo do ex-Território,
onde escrevia a História do Amapá com o título "Efemérides do Amapá";
criou o sistema de auto-falantes distribuídos na cidade; instalou os primeiros
telefones no Palácio do Governo. Em julho de 1944 é escolhido para a
Presidência da Associação Comercial, Agrícola e Industrial do Amapá; Membro do
Conselho Penitenciário. Voltando para Belém, em 1947, exerceu diversos cargos
importantes: Consultor Jurídico, Chefe do Gabinete do Governador, Chefe de
Polícia e, novamente; Chefe do Gabinete, tendo militado na advocacia por mais
de 8 anos. Fundador da Academia Paraense de Letras, membro dos Institutos
Históricos e Geográficos do Pará e Amapá. Faleceu assassinado pelo Capitão Humberto de Vasconcelos no dia 20 de maio de 1950, após violenta discussão de caráter
político, cuja única vítima foi Paulo Eleutério, um excelente moço, que
participou da "mística do Amapá".
Fonte: Livro Personagens Ilustres do Amapá Vol. II, de
Coaracy Barbosa - edição 1998)
---------------------------------------------
PAULO ELEUTÉRIO FILHO (1914-1950)
Informações acerca do assassinato de um jornalista
Por (*) Paulo José Cavalcanti de Albuquerque em
07/07/2009 na edição 545
Informações e detalhes acerca do assassinato do jornalista Paulo Eleutério
Filho (Paulo Eleutério Cavalcanti de Albuquerque), que teve lugar na sede do
jornal O Liberal, em Belém do Pará, no dia 20 de maio de 1950.
Antes de entrar em detalhes acerca de algumas informações e de formular
críticas a algumas opiniões, bem como a alguns depoimentos prestados por ocasião
do julgamento do capitão do exército Humberto Pinheiro de Vasconcelos, assassino
impronunciado – e, não, inocentado – apesar dos inúmeros depoimentos
prestados por testemunhas daquele crime que marcou de forma indelével a história
do Pará e da própria imprensa brasileira (depoimentos muitos dos quais já
desaparecidos, ou propositadamente escondidos, por conveniência de alguns
adeptos do governo Assunção), vou colocar algumas informações ainda muito pouco
divulgadas a respeito da história de meu pai.
Filho do professor Paulo Eleutério – um dos fundadores da Faculdade de
Direito de Manaus e da Faculdade de Engenharia de Belém – e de Amélia Mendes
Álvares da Silva, Paulo Eleutério Filho nasceu em Manaus, no dia 9 de fevereiro
de 1914 e, aos 18 anos de idade e já morador de Belém, foi um dos líderes do
grupo que aderiu, no norte do Brasil, à Revolução Constitucionalista que teve
origem em São Paulo no mês de julho de 1932.
Imóveis e seguro de vida
Oficial da reserva da infantaria do Exército brasileiro, foi chefe de Polícia
(Secretário de Segurança Pública) nos territórios do Acre e do Amapá – onde foi
o primeiro diretor do jornal Amapá e responsável pelas primeiras
transmissões da Rádio Difusora de Macapá – e do Estado do Pará, onde atuou na
redação do jornal O Liberal, local onde foi ferido. Aliás, foi em Macapá
que conheceu o militar que o assassinou na sede daquele jornal paraense, já
tendo ocorrido entre eles, naquela época, algumas divergências de natureza
política, pois aquele militar atuava em um partido de oposição ao partido que
apoiava o coronel Janary Gentil Nunes, o primeiro governador do território do
Amapá.
Assim, iniciamos os presentes comentários que têm por base algumas das
informações constantes do site da internet intitulado Observatório da
Imprensa.
No final da tarde do dia 19 de maio de 1950, meu pai convidou a mim e à minha
mãe, Celina, para conversar no terraço da entrada de nossa residência (Rua
Mundurucus, 610) a respeito do pesado clima político que rondava o Pará naqueles
dias. Naquela oportunidade, meu pai informou-nos a respeito de um artigo que
havia sido escrito pelo jornalista João Malato criticando o partido de oposição
e o capitão do exército Vasconcelos, seu antigo adversário desde os tempos em
que morávamos em Macapá. E, ao mesmo tempo, informou-nos que Malato não estaria
na redação de O Liberal no dia seguinte por ter receio de um revide ou
por questões de constrangimento pessoal. Em seguida, meu pai informou-nos a
respeito dos imóveis de nossa família e de seu seguro de vida,
mostrando-nos os respectivos documentos, que se encontravam arquivados em uma
pasta que guardava em uma das salas da nossa casa, utilizada como seu escritório
particular.
"Querem conversar com você"
Logo após aquela reunião, meu pai chamou-me para subir ao seu quarto, onde
também guardava sua coleção de armas, mostrando-me um revólver de sua
propriedade, de aço inoxidável, calibre 38, da marca Smith&Wesson e com
empunhadura de madrepérola, que seria entregue no dia seguinte a um armeiro por
estar com o cano bastante desgastado, já que o utilizávamos bastante em
treinamento no sítio, em caçadas e na casa de um amigo seu, em Belém, na qual
havia um moderno stand de tiro, movimentado eletricamente. Meu pai era um
excelente atirador, tendo sido o segundo melhor de sua turma do CPOR (Curso de
Preparação dos Oficiais do Exército). E lembro-me bem que ele me alertou :
"Nunca use um revólver nesse estado", ao que respondi : "E por que o senhor irá
levá-lo amanhã para o armeiro, em vez de esperar mais alguns dias?" E ele
respondeu : "Porque estou cansado de vê-lo com esse cano tão estragado."
Aquela foi a última vez em que conversei com meu pai pois na manhã do dia
seguinte eu e meu irmão Luiz Felipe tínhamos que sair cedo para estudar. Anos
mais tarde, ao conversar com minha mãe a respeito daquele horrível dia, ela me
disse meu pai, ao descer do quarto para tomar café, lhe disse: "Tive um sonho
horrível nesta noite." Eu perguntei : "Como foi esse sonho?" e ele respondeu :
"À noite, quando voltar, eu te contarei." Parece que ele estava adivinhando o
que iria acontecer.
Eu estava assistindo a uma aula de português quando, por volta das nove e
meia, entrou na nossa sala o cônego Faustino de Brito, diretor do Colégio
Progresso Paraense, onde eu e meu irmão estudávamos. Olhando para mim, disse :
"Paulo, arruma as tuas coisas e vai para a Secretaria, pois lá estão alguns
delegados de polícia que querem conversar com você. Aproveita e chama também o
teu irmão, que está lá embaixo, na sala dele."
Honesto, sério e patriota
Não lembro muito bem de quantos eram os delegados que tinham ido ao colégio
para conversar comigo, mas eram uns quatro ou cinco, a maioria dos quais eu
conhecia pessoalmente. Ao me ver, um deles me disse : "Houve um tiroteio na sede
do O Liberal e seu pai foi ferido." Eu perguntei : "Foi ferido em que
parte do corpo?" E ele respondeu : "Em uma das pernas." Não fiquei muito
nervoso, pois havia aprendido com meu pai que um ferimento em uma das pernas não
era dos mais sérios. Porém, logo ao chegar em casa, com uma multidão à porta e
com uma grande quantidade de parentes e amigos da família no interior da mesma,
fui informado de que havia acontecido algo de mais grave, em maiores detalhes: o
tal capitão, que já conhecia meu pai há vários anos, entrou na redação do jornal
aos gritos, perguntando por João Malato e, ao ver meu pai, de quem era antigo
adversário político, atirou em sua direção com uma pistola calibre 45, do
Exército brasileiro, acertando de raspão a testa do mesmo e naturalmente
causando-lhe brusca tontura. Mesmo assim, meu pai tentou encontrar o seu
revólver Smith&Wesson, que estava guardado na gaveta de sua mesa, já que ele
iria levá-lo ao armeiro na tarde daquele mesmo dia. E, apesar daquele choque
inicial, segundo algumas testemunhas ele ainda conseguiu descarregar aquela arma
sem qualquer precisão, mas conseguindo acertar em um dos braços do tal capitão.
Em seguida, em virtude de não ter cartuchos de reserva, meu pai desceu em
direção às oficinas do jornal, que ficavam em frente à Secretaria da Segurança
Pública, perguntando aos gritos se alguém teria balas de calibre 38. Nesse
instante, indo atrás dele, o tal capitão atingiu-lhe uma das pernas e as costas,
cortando-lhe um dos pulmões em trajetória vertical e atingindo o coração do
mesmo com a tal pistola 45.
E, ainda consciente, no interior da ambulância em que estava sendo conduzido
ao hospital, meu pai disse aos médicos : "Vejam bem o que vocês vão fazer, pois
tenho três filhos para criar." Mas veio a falecer por volta das 12 horas e vinte
minutos, na Santa Casa da Misericórdia. Aquela frase foi lida por mim alguns
anos depois, em uma das páginas do processo judicial. Mas me dói até hoje. Meu
pai foi um homem honesto, sério e patriota como poucos.
Uma mancha indelével
Tive oportunidade de ler alguns testemunhos e algumas declarações que,
infelizmente, não se constituem em verdade, de vez que, após a mudança do
governo daquele estado, por razões de interesse pessoal muitos fizeram
declarações mentirosas, entre os quais se inclui o sr. João Malato, que foi o
pivô de todo aquele triste acontecimento.
Para concluir, e para registrar essa imagem de meu pai, gostaria de contar
mais um outro episódio: alguns meses depois nos mudamos para Pernambuco e,
posteriormente, no final de 1955, para o Rio de Janeiro. E, por volta de 1976,
em viagem de trabalho ao Pará e na primeira visita que fiz a Belém após nossa
mudança e após o ano em que ocorreu aquele trágico episódio, fui ao cemitério de
Santa Isabel visitar o túmulo de meu pai e, após alguns minutos, chamei um táxi
e pedi para que me levasse à Travessa Castelo Branco, onde havia nascido minha
irmã caçula, Ana Amélia. Ao passarmos em frente à casa onde havíamos morado, e
sem ter a menor noção de quem eu era, o motorista falou, para meu espanto e
também para meu orgulho: "Nesta casa morou um grande homem."
Sobre aquele triste acontecimento nada mais gostaria de divulgar e aproveito
esta oportunidade para agradecer aos amigos do Observatório da Imprensa e
contar toda a verdade a respeito daquele episódio, que manchou de forma
indelével a história da imprensa brasileira. Da mesma forma, acrescento um texto
escrito por meu pai no ano anterior à sua morte, texto esse que jamais
esquecerei ("Trítico do Amor Familial").
Uma página de Paulo Eleutério Filho
(Revista da Academia Paraense de Letras, nº 2 – janeiro de 1952)
Como uma dádiva preciosa aos nossos leitores, principalmente àqueles que
conheceram o nosso saudoso confrade Paulo Eleutério, publicamos a seguir um
escrito literário do jovem titular da Academia Paraense de Letras, onde ocupava
a cadeira de Ferreira Pena.
É uma página de profunda emoção, em que o sacrificado de 20 de maio de 1950
revela a sua sentimentalidade diante de seus pais ("Ainda sou criança"), de sua
esposa ("Canção do Amor que envelhece") e de seus filhos ("Minha vida não se
extinguirá").
São verdadeiros poemas em prosa em que o brilhante intelectual reflete o
requintado de sua cultura e a imensidade do seu coração em face de três estádios
de sua gloriosa vida e de criaturas outrora felizes, que detiveram as expansões
do seu amor filial, conjugal e paterno:
***
Trítico do amor familial
I – Ainda sou criança
Oh! Vós que me destes a vida numa noite de amor! Como vos quero e amo e
quanto vos agradeço e abençôo com toda a força do meu coração de filho! Não me
deixeis sozinho e nem me abandoneis nesses Gólgotas do mundo sem o vosso
conselho! Sinto-me fraco, nu e miserável, afastado de vossos olhos atentos e
amigos. Tremo de frio nas intermináveis noites de inverno, se não me acolho à
morna carícia do vosso agasalho. Quando me obrigam a lutar pelo meu lugar ao
sol, faço-me de bárbaro e herói, mas o medo se enfurna em minh´alma de criança.
Ainda sou infante, sou débil e minhas asas não podem voar para longe de vós.
Dizeis-me que sois velhos, frágeis, mas eu vos devo tanto, que não posso
acreditar que a idade vos reduziu a força e o tamanho...
II – Canção do amor que envelhece
Estou me sentindo velho. Há mais cansaço em meus gestos e meu coração anseia
pelo repouso infinito. Caminho devagar pela estrada da vida, mudando os passos
com cuidado para não perturbar o sossego da poeira. Permaneço compridas horas a
mirar um inseto de asas nervosas ou uma graciosa flor que se debruça sobre sua
haste. Meus olhos estão vendo mais que antigamente. E sentem a beleza que existe
na contemplação. Todavia, alegro-me em saber que não estou sozinho nesse longo
passeio que será o último. Alguém se ampara em meu braço, nos dias bons ou maus,
ricos ou pobres, na saúde ou na doença, amando-me sempre até a morte nos
separar...
III – Minha vida não se extinguirá
Não temo que a morte venha me destruir, em tempo algum. Sou imperecível e
tenho certeza de que sobreviverei às maiores catástrofes da terra. Flameja em
mim a chama sagrada da imortalidade que o milagre da procriação acendeu nas
áreas primitivas. Orgulho-me de sentir latejar no peito, dia e noite, o sangue
forte e vermelho de meus avós. Algum dia tudo isso cessará dentro de mim. Mas a
luz que recebi acesa não se apagará quando o meu corpo esfriar com a chegada da
grande escuridão gelada. Ela continuará brilhando nos olhos cintilantes de meus
filhos, que serão como estrelas novas a me iluminar os passos nas trevas em que
mergulharei.
(*) Paulo José Cavalcanti de Albuquerque
Economista, com curso de extensão
em engenharia econômica e administração industrial pela UFRJ e MBA – Executivo
em economia e finanças pela Universidade de Pittsburgh, U.S.A. É diretor de
Análise e Estudos Econômicos do Grupo Formitex, membro do Conselho Superior de
Economia do Instituto Roberto Simonsen – FIESP. Foi diretor de Análise
Econômica e Estatística do Centro de Informações Econômico-Fiscais da
Secretaria da Receita Federal, diretor de Desenvolvimento da Leroy Merlin,
diretor Financeiro da The Sydney Ross Company, superintendente de Finanças da
Cyanamid Química do Brasil, e gerente de Estudos e Planejamento da S.A. White
Martins.
NOTA DO EDITOR: Apresentamos reconhecidos agradecimentos ao economista Paulo José Cavalcanti de Albuquerque - filho do biografado, pela maneira fidalga e gentil como atendeu nossa solicitação e colaborou de forma eficaz nos enviando - via e-mail - várias fotos de seu pai, jornalista e intelectual Paulo Eleutério Cavalcanti de Albuquerque, o que nos permitiu de prestarmos uma merecida homenagem a esse grande brasileiro que realizou inúmeros serviços ao recém criado Território Federal do Amapá. (João Lázaro)