Em julho de 1957, integrantes do
Grupo de Escoteiros Católicos São Jorge realizaram um passeio à área onde
estava situada a cachoeira Paredão, cujo potencial hídrico já havia sido
previamente estudado e deveria favorecer a construção de uma hidrelétrica. (...)
À época do passeio dos escoteiros os
trabalhos preliminares para a realização da grande obra já estavam em andamento, mas tudo ainda era inóspito. Na organização do “acampamento” estavam os chefes escoteiros Expedito Cunha
Ferro, o popular “91”, Humberto Álvaro Dias Santos e o Padre Ângelo Biraghi,
então orientador espiritual dos jovens escoteiros e vigário da Paróquia São
José.
Patrulha
Tucunaré: Os três primeiros moleques que vemos na fotografia, junto a uma
pedra, são os escoteiros José Marques Picanço (curupira), José Ribamar
Carvalho (Baé) e Nilson Montoril de Araújo (changai). Entre o Ribamar e o
Nilson aparece o Dinaldo e um pouco mais atrás o Mamede(cabeça no
saco). Encoberto pelo Nilson há um garoto que não conseguimos identificar. No
outro plano, quase de costas, escorado numa pedra, identificamos o Edson Piloto(cabeça chata). Depois vemos o Ranulfo, Reginaldo Café
(salazar), Beiço de Burro, Nonato, Pedroca e o chefe Expedito Cunha Ferro(91). Por
trás do Zé Marques só aparecem as pernas de um garoto. Um outro escoteiro é visto
ao lado do Dinaldo. Há 15 pessoas nesta fotografia.
A região cortada pelo Rio Araguari era muito aprazível e praticamente intocada. (...) Nossa viagem até o Paredão ocorreu em um caminhão cedido pela CEA e
nos deixou relativamente apreensivos devido ao traçado bastante irregular da
estrada, onde prontificavam subidas e descidas abruptas. Partimos antes do
alvorecer e todo mundo ia acomodado debaixo do encerado locomotiva do caminhão
e bem abrigados do frio.
No canteiro de obras ocupamos uma
casa que servia de escola, mas que se encontrava vazia em virtude das férias
escolares. No primeiro dia do acampamento procedemos a hasteamento da bandeira
nacional, tomamos café com pão torrado, leite, queijo e manteiga que eram
mandados para o Brasil, pelos Estados Unidos da América, através da “Campanha Aliança Para o Progresso”. O contingente era formado por pioneiros, escoteiros
e lobinhos e não excedia a 30 indivíduos. Após o café o chefe Humberto Dias
dividiu o grupo em duas patrulhas: Tucunaré e Aruanã. A patrulha Tucunaré, da
qual eu fazia parte teve o privilégio de ser a primeira a chegar bem perto da
cachoeira Paredão e fez isso com redobrados cuidados sob as orientações do
chefe 91. Para evitar que algum moleque afoito tentasse nadar no remanso
formado pelas águas que desciam da queda d’água, o chefe 91 escolheu um local
por onde descia um pequeno volume de água, formando um córrego estreito e raso.
Os pioneiros e escoteiros mais velhos se instalaram a cerca de 2 metros da foz desse córrego e barravam
qualquer tentativa de aventura dos mais afoitos. Passamos a manhã tomando banho
e percorrendo locais com águas represadas em busca de peixes para o jantar. Na
manhã do segundo dia foi a vez da “Patrulha Aruanã” conhecer o local que tinha
sido batizado de “Recanto Encantado”.
A “Patrulha Tucunaré” recebeu o
encargo de preparar o almoço, carregar água, coletar lenha e limpar a área do
acampamento e a escola. As mesmas atividades que a “Patrulha Aruanã” tinha
realizado no dia anterior. Por volta das 10h30min horas, do alto da colina onde
estava edificada a escola, observamos que os componentes da Patrulha Aruanã
estavam voltando ao acampamento e muitos choravam copiosamente. Indagamos o que
havia acontecido e recebemos como resposta a notícia de que o "'Padre' havia
morrido afogado", mas seu corpo estava desaparecido. De imediato pensamos
que o afogado fosse o Padre Ângelo Biraghi. Entre os que tinham permanecido no
acampamento encontrava-se o José Pereira, jovem muito prestativo, que
de repente parou de brincar e ficou olhado para os escoteiros retirantes,
certamente procurando localizar seu irmão Antônio Pereira, exatamente o menino
que tinha morrido. Sem vê-lo, José deduziu que a vítima fatal era o Antônio,
cujo apelido no Oratório São Luiz era "padre". Chorando muito se retirou para o
local onde estava atada sua rede e ali permaneceu sem procurar saber detalhes
do acontecido.
Antônio "Padre" era muito irrequieto e excelente jogador de
petecas. Disputar uma partida com ele era certeza de que ficaria de mãos vazias.
Enquanto trabalhadores do canteiro de obras tentavam localizar o corpo
do Antônio, os escoteiros se mantinham em silêncio e acomodados. O Antônio não
sabia nadar, mas simulava fazê-lo usando as mãos que tocavam no fundo do córrego para
impulsionar seu corpo. Fez isso inúmeras vezes até descuidar-se e
passar do marco fincado na areia visualizando o ponto que não deveria ser
ultrapassado por ninguém. Escoteiros experientes, acostumados a nadar no canal
de Santana se atiraram atrás do Antônio, mas a força d'água era descomunal. Uma
coisa intrigante aconteceu no afogamento do "Antônio 'Padre'": ele
sentou de uma só vez, certamente puxado para o fundo do rio pelo redemoinho que
existia no local. As buscas foram feitas até as 18 horas e suspensas para
reiniciar no dia seguinte. Por volta das 19 horas, com todo o material de
acampamento e nossos objetos pessoais arrumados, embarcamos no caminhão e
rumamos para Macapá. Perto das 22 horas o caminhão adentrou no quintal da
Prelazia de Macapá e nos recebemos ordens para nos alojarmos no Salão Paroquial
Pio XII, um barracão onde eram realizadas atividades religiosas, projeção de
filmes e encenações de peças teatrais.
Todos deveriam permanecer em silêncio
e só deixar o barracão depois que o chefe Humberto Santos fosse à casa do
senhor Raimundo Pereira cientificá-lo sobre a morte do filho. Entretanto,
alguns meninos não obedeceram a ordem recebida; abandonaram o barracão e foram
espalhando a macabra notícia a seus vizinhos, entre eles o seu Raimundo. O
corpo do Antônio Pereira só foi encontrado uma semana após o sinistro.
Mergulhadores o localizaram preso a uma pedra no fundo do rio Araguari ali
mantido pela força descomunal da água que descia da cachoeira. Em adiantado
estado de decomposição e bastante danificado pelos peixes e pelo atrito contra
as pedras submersas, o que restou foi sepultado no cemitério da vila de
Ferreira Gomes. Em 1960, seus despojos foram levados para o cemitério Nossa
Senhora da Conceição e enterrados ao lado dos seis escoteiros que morreram afogados no Rio Amapari, em Serra do Navio, quando uma ponte pênsil da ICOMI desabou. (Nilson Montoril)
(*) Pesquisador, professor, historiador, radialista e blogueiro amapaense.
Texto de Nilson Montoril, reproduzido do blog Arambaé, do renomado historiador amapaense, com adaptações especias para o Porta-Retrato.
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As tragedias de um maneira ou de outra ficam gravadas em nossa memoria. Lembro do dia em que aconteceu esse acidente. Eu tinha 5 anos. Meu irmao Augusto Cherfen, que era escoteiro, deveria ir a esse passeio. Atendendo a um anseio de seu coracao, minha mae nao permitiu que ele fosse. Infelizmente, aconteceu esse fato. Quando tomamos connhecimento, ficamos todos muito tristes e, durante, muito tempo, lembramos desse fato.
ResponderExcluirSou sobrinho do falecido escoteiro Edson Piloto, me contaram muito sobre e resolvi pesquisa algo e acabei chegando aqui.
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