NOSSA LIVERPOOL ERA ALI
Cléo
Farias de Araújo (*)
Final dos
anos 60 para começo dos 70. Depois de mais um embate futebolístico contra o
leãozinho do Palhinha, irmão do Leorivaldo Furtado, no campo onde depois
construíram o CCA e a Pediatria, eu e uns amigos íamos para a casa do Prof.
Mário Quirino, na esquina da Rua Leopoldo Machado com a Avenida Machado de
Assis, por detrás do CCA, tomar água gelada. Afinal, passávamos boa parte das
tardes macapaenses jogando futebol. Lógico que, após tanta correria,
buscássemos o precioso líquido em algum lugar, já que nossas casas guardavam
certa distância do campo.
Aquelas
visitas tornaram-se hábito, o que resultou num amistoso entrosamento, a ponto
de aprendermos os nomes das pessoas que ali residiam. Assim sendo, quando
acabavam as peladas, já chegávamos na casa da esquina, chamando o Serjão, pra
pedir água. As costumeiras visitas, aliadas à curiosidade infanto-juvenil,
ensejaram escutarmos, em certa tarde, umas músicas em inglês, que pensamos
estarem sendo tocadas na Difusora. Mas o Márcio (o mais novo dos irmãos) veio
dos fundos da garagem com umas capas de discos, que logo identificamos como dos
Beatles. Naquela tarde, o papo se estendeu um pouco mais e pudemos ouvir outras
canções, com a reunião se encerrando à noite. Essa descoberta nos levou a fazer
três coisas naquela casa: beber água gelada, bater papo e ouvir Beatles, na
garagem. Isto aumentou nosso interesse por música.
Alguns de
nós já engatinhávamos alguns acordes. Mas tínhamos dificuldade em “tirar” as
músicas, ouvindo apenas rádio. Discos eram muito caros e o que ganhávamos,
vendendo picolé, pastel ou cobre/alumínio, dava malmente pra irmos ao cinema.
Contudo, “os irmãos quirino”, como na época, o Frank Asley chamava pro Delrio,
Serjão e Márcio, eram muito legais. Eles possuíam os discos e não se importavam
em repetir interminavelmente as músicas, até “aprendermos” a pronúncia
(copiando-a, ao nosso modo) e alguns solos mais simples.
Aquela
garagem ficou pequena e passamos a nos reunir no muro que guarnecia a casa. Em
nosso clube, compareciam assiduamente, além dos três beatlemaníacos que lá
residiam: Eu, Antônio Maia, Francisco de Assis, que ali foi batizado de Frank
Asley, Vital Júnior, Chico Semana, Euclides Farias, Osmoar, ou "Boto de
Santo André"(um paulista que veio morar em Macapá, na casa de seu cunhado Sabá
“apressadinho”, funcionário do BB), Álvaro Gomes, Manoel Cordeiro, Aldomário,
Aloisio Cantuária, Aurélio Cantuária,
Dilson Ferreira, Quibiga, Pixata, Robertão e tantos outros
semiroqueiros. Em um tempo de Macapá sem entraves às pessoas de bem, nossos pais
sabiam onde a gente estava e confiavam nesse “bate ponto” diário.
Ante a
agregadora fama que se espalhou pela cidade: Ali, tocávamos: Beatles,
Creedence, Johnny Rivers, Blue Ridge Rangers, Elvis Presley e alguns outros
sucessos do momento. Lá, era a esquina musical que estava em moda. Durante o
tempo em que os Quirinos moraram naquele ponto, nenhuma outra confluência de
ruas era mais famosa e/ou visitada, que a que concentrava naquela casa.
O girar
do tempo levou alguns a se dedicarem bem mais, abrindo, entre nós, certa
competição. Isso alavancou o sonho daquela turma, pois todos queriam ser “os
quatro de Liverpool”, talvez na esperança de um dia poderem tocar aquelas
músicas, no mínimo, como cópia borrada dos “Fab Four”.
Alguns
fizeram da música, a sua profissão e nela trabalham até hoje, com alegria.
Outros, viraram médicos, advogados, artistas plásticos, escritores, policiais,
engenheiros, professores, etc. Todos serviram e servem à nação, positivamente,
ao seu modo.
Não
precisamos pixar o muro daquela esquina, pra que soubessem que ali, a casa dos
Professores Mário Quirino e Deuzuíte Façanha, era lugar de aulas campais. Ali,
com a matriarca daquele clã, aprendi a utilidade da vírgula e como emprega-la
corretamente, na frase. Naquele local, tivemos aulas de educação, paciência,
tradução inglês/português, honestidade, humildade, bom humor e dedicação aos
estudos.
Boa parte
do nosso alicerce moral se construiu naquele local. Todos os frequentadores
sabiam: nossa liverpool...era ali!
(*)
advogado, escritor e músico amapaense
Fonte:
Facebook – junho de 2017
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