sábado, 10 de dezembro de 2011

ESPECIAL: FRANCISCA LUZIA DA SILVA, A MÃE LUZIA

(Foto: Reprodução / Mural do Facebook)
Nota do Editor - Esta fotografia - rara - foi compartilhada pelo amigo Paulo Tarso Barros. É de uma senhora idosa, que realmente se parece com a única imagem da Mãe Luzia, que havia sido publicada até então. Segundo Paulo Tarso, nem os parentes dela, consultados por ele, souberam afirmar com precisão. Diante da dúvida consultamos o historiador Nilson Montoril que também não teve como assegurar que realmente esta foto seja de Mãe Luzia. Mas, partindo do princípio da semelhança fisionômica das imagens, e, principalmente do detalhe da gola e dos dois botões de seu vestido, acreditamos que essa senhora da foto acima seja realmente a Mãe Luzia. Se alguém tiver confirmação de quem se trata por favor escreva para o e-mail jolasil@gmail.com. João Lázaro

Por Nilson Montoril (*)

                   Francisca Luzia da Silva tinha suas raízes em Mazagão Velho, onde nasceu a 9 de fevereiro de 1869. Nunca foi escrava e deve descender dos cidadãos que viviam no castelo de Mazagão, no Marrocos e que Portugal fez migrar para a Amazônia. Foi casada com Francisco Lino da Silva, um macapaense que obteve a patente de capitão da Guarda Nacional e foi Prefeito de Segurança da cidade de Macapá. O casal teve vários filhos, entre eles Tia Águida, Tia Milica, Cláudio Lino, este último pai do Francisco Lino da Silva, o Lino da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho. A família tinha duas propriedades  produtivas. O sitio “Capitão”, homenagem a patente do marido e o “RetiroMatapi”, na Campina Grande. No sítio Capitão a família colhia frutas, plantava diversos produtos e coletava leite de seringueira. Só faziam isso no verão. O sítio Capitão ficava no Rio Vila Nova, Município de Mazagão. O Retiro Matapi, localizado na margem esquerda do Rio Matapi, foi vendido ao senhor Francisco Torquato de Araújo, seu conterrâneo de Mazagão e hoje pertence à família Rocha. Devidamente autorizada pelos intendentes de Macapá, mãe Luzia possuiu roças de mandioca, cará e batata doce na área adjacente ao Poço do Mato, então importante manancial de água potável da qual se servia a população de Macapá.
(Foto: Reprodução do Google books)
(Foto reproduzida do Livro Mulheres Negras do Brasil,
de Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil, via Google books)
A gravura acima é a reprodução de uma  pintura feita pelo artista plástico R. Peixe. Consta que ele pintou o quadro baseado numa fotografia de Tia Milica e nas descrições feitas pelos parentes e pelo poeta Álvaro da Cunha. Na foto do livro, existe o registro  de que o Quadro "Mãe Luzia" pertence ao acervo do Governo Estado do Amapá.
                  Mãe Luzia, como era chamada Francisca Luzia da Silva, também se devotou aos desvalidos, ministrando-lhes remédios caseiros, benzendo crianças, curando espinhela caída, cobreiro, carne rasgada, erisipela e problemas da cabeça. Nasceu com o divino dom de “aparar” crianças e nenhuma delas pereceu em suas mãos. Foi contemporânea da Vó Guardiana, a quem auxiliava na condução dos partos. Quando Vó Guardiana morreu, Mãe Luzia ficou atendendo sua clientela. A casa de Mãe Luzia tinha estrutura em taipa de mão, com vários quartos que ela alugava para caixeiros viajantes e romeiros. Era um casarão de telhado alto situado na esquina da Avenida Mendonça Furtado com a Travessa Francisco Caldeira Castelo Branco (depois Coronel José Serafim Gomes Coelho e atualmente Tiradentes), com frente para o Largo dos Inocentes, também denominado Formigueiro.
                   Mesmo quando o médico obstetra Cláudio Pastor Darcier Lobato veio para Macapá e passou a chefiar a Unidade Mista de Saúde (ficava onde foi construída a Biblioteca Pública), Mãe Luzia não foi relegada. Em várias oportunidades o ilustre médico recorreu aos conhecimentos práticos da Mãe Preta da Cidade de Macapá. Sem a posse de suas antigas propriedades rurais, Mãe Luzia precisou lavar e engomar roupas brancas de linho, coisa que ela fazia com perfeição. Sua clientela incluía o Governador Janary Nunes, o Promotor Público Hildemar Maia, o Juiz de Direito José de Ribamar Hall de Moura e muitos outros cidadãos ilustres de Macapá que, nas solenidades mais expressivas, usavam ternos brancos. Por ocasião da festa alusiva a São José, até os macapaenses mais humildes recorriam aos serviços de Mãe Luzia. Quase todo mundo usava roupa branca. Algumas pessoas fantasiosas insistem em dizer que Mãe Luzia foi escrava e por causa disto tinha marcas de chicotadas nas costas. Pura fantasia. Ela costumava lavar roupas sem usar a parte superior de sua vestimenta e quem a via assim jamais lhe faltou com respeito. O quintal de sua residência era paralelo a Rua Tiradentes e não tinha cerca. Quando se debruçava sobre a gamela, esfregando as roupas, seus seios flácidos se misturavam a elas. Eu conhecia muito bem a casa da Mãe Luzia. Volta e meia estava por lá na companhia do amigo Raimundo Nonato da Silva, o “Bigode”, seu neto. Aliás, Mãe Luzia teve um filho com o mesmo nome, cujo apelido era “Bucú”, e que foi vítima fatal de um disparo acidental de revólver pertencente a um caixeiro viajante que ele mostrava a alguns amigos no canto da Igreja de São José. Mãe Luzia sofreu muito com a morte do filho. A porta de entrada dava num longo corredor que se estendia até a porta do quintal. Os quartos e a cozinha ficavam do lado direito de quem entrava no imóvel. Pelo menos dois quartos da frente eram alugados a terceiros.  Quando íamos apanhar grumixama (também chamada ameixa, jamelão e azeitona de cabrito) ela gritava: “ Pera aí, seus cornos, vocês já vão manchar de nódoa as minhas roupas do quaradouro?”. Faleceu dia 23 de setembro de 1957, com 88 anos de idade. Estava alquebrada e tinha os cabelos brancos como um nicho de algodão. Sua morte deixou os moradores de Macapá imersos em profunda tristeza. O enterro ocorreu no Cemitério Nossa Senhora da Conceição, a direita de quem ingressa naquele campo santo, rente ao passeio que leva ao Cruzeiro e a capela. O corpo de Mãe Luzia foi inumado na mesma sepultura onde se encontrava o José Lino. A morte de Mãe Luzia encerrou o ciclo das renomadas parteiras e mulheres de múltiplos conhecimentos com plantas medicinais. Ela e Guardiana Mendes da Silva, a Vó Guardiana despontam como verdadeiros anjos benfazejos da comunidade macapaense. Vó Guardiana ou Guardina teve vida longa, alcançando 102 anos de idade. No local da primeira casa de Mãe Luzia ainda mora uma das suas neta. O imóvel que ela ocupou até morrer foi desapropriado em 1970, para o alargamento da Rua Tiradentes. Na parte do terreno que não virou leito de rua foi erguido um prédio em alvenaria onde funcionou o Cartório Jucá.
(Foto: Reprodução / blog do Nilson Montoril)
         Prédio onde funcionou o Cartório Jucá. Da esquerda para a direita vemos os senhores Ben Hur Corrêa Alves, (escriturário), Francisco Torquato de Araújo (Escrevente Juramentado), Cícero Silva (comerciante e vizinho do Cartório) e Jacy Barata Jucá (Tabelião Substituto). Todos conheceram Mãe Luzia e eram seus amigos. O imóvel foi construído absorvendo uma parte do que restou da sua casa. Francisco Torquato, de camisa branca, era mazaganense e conterrâneo.
(*)  historiador, professor, blogueiro e radialista amapaense 


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