terça-feira, 18 de setembro de 2018

LITERATURA AMAPAENSE: O Roubo do Forte Velho, poema de Obdias Araújo

TELA DE OLIVAR CUNHA
O poeta e sociólogo amapaense Fernando Canto, incluiu em sua tese de doutorado sobre a Fortaleza de São José de Macapá, o poema O ROUBO DO FORTE VELHO, de autoria do músico e poeta Obdias Araújo, “um velho militante da literatura amapaense, irmão de outros bons poetas”.

Tu sabias
que a Fortaleza
foi toda construída
no Curiaú?
Diz que o Sacaca
o Paulino e o Julião Ramos
vieram em cima da Fortaleza
varejando até chegar na beira do Igarapé Bacaba
onde amarraram a bichona na Pedra do Guindaste
e foram tomar uma lá
no boteco do sêo Neco.
Diz que o o Alcy escreveu uma crônica
E o Pedro Afonso da Silveira Júnior leu
Oito horas da noite
no Grande Jornal Falado E-2.
Diz que, né?
Diz que o mestre Zacarias
vinha em cima do farol
tocando um flautim feito
com as aparas da porta de ébano...
E que Dona Odália vinha fazendo
flores de raiz de Aturiá
sentada no maior de todos os canhões
brincando com a Iranilde
que acabara de nascer.
Diz que o Amazonas Tapajós vinha
cantando ladrões de Marabaixo
-ele, o Edvar Mota e o Psiu.
E o João Lázaro transmitia tudo para a Difusora.
Diz que até o R. Peixe pintou um mural
-aquele que ficou no pátio da casa do Isnard
lá no Humilde Bairro de Santa Inês
de onde foi roubado pelo Galego e trocado
por duas garrafas de Canta Galo
e uma de Flip Guaraná, lá na Casa Santa Brígida...
Hoje Macapá amanheceu bem
mais triste que de costume.
Roubaram a Fortaleza!
Levaram o velho forte! De madrugada
Dois ou três bêbados remanescentes
viram passar aquela enorme coisa boiando
rumo Norte, parecida uma usina
de pelotização.
Andam comentando lá
pelo Banco da Amizade
que foi o Pitoca
a Souza
o Quipilino
o Pombo
o Zee e o Amaparino...
E que o Olivar
do Criôlo Branco
e o Cirão
estão metidos nessa história.
Eu, hem!

O ROUBO DO FORTE VELHO
Fernando diz que “todas as pessoas citadas no texto, bem como os lugares, existiram ou existem ainda. São elas: Sacaca, conhecedor de ervas, curandeiro; Paulino, organizador de festas de Marabaixo; Julião Ramos, líder, negro do Marabaixo do Laguinho e fundamental no processo de gentrificação das famílias de negros que moravam na frente da cidade na época da instalação do Território Federal; Seu Neco, dono de bar; Alcy, poeta e jornalista; Pedro Afonso da Silveira Júnior, locutor de rádio; Mestre Zacarias, flautista, pai do poeta; D. Odália, mãe do poeta; Iranilde, irmã do poeta que nasceu nas dependências da FSJM quando seu pai ali morava; Amazonas Tapajós, locutor de rádio e boêmio; Edvar Mota, locutor e publicitário; Psiu, locutor e marcador de quadrilha junina; João Lázaro, disk jockey da Rádio Difusora de Macapá; R. Peixe, artista plástico e sambista; Isnard, poeta e advogado, que foi preso contumaz do regime militar; Galego, poeta e jornalista; Pitoca e Souza, filhos do Sacaca, Quipilino e Pombo, irmãos boêmios, sendo o primeiro servidor da Prefeitura e o segundo mecânico e sambista; Zee e Amaparino, irmãos, o primeiro funcionário púbico federal no Amapá e o segundo biblioteconomista; Olivar, torneiro mecânico, filho do Criôlo Branco, massagista e benzedor e; Cirão, tratorista da Prefeitura.
Locais: Fortaleza, FSJM; Curiaú, quilombo próximo de Macapá; Igarapé bacaba, local próximo ao Curiaú; Pedra do Guindaste, antiga pedra e agora um pedestal de cimento que sustenta a estátua de São José, padroeiro da cidade e se localiza na praia; Grande Jornal Falado E-2, antigo programa de notícias de grande audiência transmitido pela Rádio Difusora de Macapá; Aturiá, nome de praia e de uma árvore; Marabaixo, manifestação cultural de origem afrodescendente. Bairro de Santa Inês, antiga localidade da Vacaria, ao sul da FSJM; Canta Galo, marca de cachaça; Flip Guaraná, antigo refrigerante local; Casa Santa Brígida, comércio; rumo Norte, direção da praia do Igarapé das Mulheres; usina de pelotização, local de transformação de pedras de manganês em bolinhas para exportação do minério e; Banco da Amizade, tradicional local de encontro de amigos no bairro do Laguinho.
Este poema é interessante porque realiza uma mistura de personagens emblemáticos da cidade que participaram de um roubo fantástico, em que arrastaram a FSJM pelo litoral até o local onde ela teria sido construída: o Curiaú, na imaginação do poeta.
Suas referências memoriais apontam para uma realidade impossível, na narrativa de lugares e personagens reais da cidade, principalmente os do bairro do Laguinho. O enredo do poema parece se tratar de um resgate (que envolve vingança) de um objeto que não pertencia à cidade de Macapá, mas sim aos remanescentes dos escravos, cujos ancestrais participaram da construção da fortificação, pois a maioria deles são afrodescendentes e por isso viram-se no direito de arrancar a fortificação e leva-la até onde foi, de pleno direito, construída."
Foto: Reprodução / Arquivo pessoal
OBDIAS Alves de ARAÚJO, é amapaense da gema. Nasceu no município de Macapá no dia 22 de Fevereiro de 1957, filho de Zacarias Alves de Araújo e Odália Vieira de Araújo. Músico (trombone e flauta-doce), durante boa parte de sua vida foi amante da boémia e da noite, lançou seu primeiro livro em 1984. Vem participando dos movimentos literários de Macapá e mantendo intercâmbio com poetas e trovadores de outros estados. Embora de uma geração mais recente, fez parte do grupo de poetas que tinha como principal líder Alcy Araújo, ou seja: Isnard Lima, Álvaro da Cunha, Cordeiro Gomes, Manoel Bispo, Fernando Canto e Outros.
Obdias é membro das associações paraense e amapaense de escritores e da União Brasileira de Trovadores. Vive em União estável com Telma Maria Salomão de Araújo.  
Livros Publicados: Apologia (1984) e Praça Pinga Poesia & Mágoa – Diário de um Vagabundo Lírico (1987), VERSÍCULOS DE SALOMÃO (Dezembro de 2017).
Os poemas de Obdias, curtos e de uma linguagem direta e contemporânea, por vezes irônica, conduzem o leitor para o imaginário de um poeta integrado ao seu tempo, que fala de amor e de saudade. Cultiva o humor, trazendo da vida quotidiana os elementos que constroem o seu tecido poético com cores, sons e ritmos.
Obdias é um escritor que gosta de viver intensamente, conta piadas de todos os gêneros, com nítida preferência para os temas eróticos. Entretanto, com perspicácia, é capaz de filtrar para a literatura tudo aquilo que pode ser aproveitado na poética. Não é um escritor que produza intensamente, mas através dos três volumes já publicados, podemos ter uma ideia de que ele está entre os melhores que o Amapá já produziu.
(Texto: Paulo Tarso Barros)
Fonte: Fernando Canto - Todas as informações fazem parte da tese do sociólogo Fernando Canto, sob o título LITERATURA DAS PEDRAS: A Fortaleza de São José de Macapá, como locus das identidades amapaenses, publicada pela Editora da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP, 2017.

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