sábado, 2 de junho de 2018

Foto Memória de Macapá: Paulino Ramos, uma figura singular!

Por João Silva
Paulino Lino Ramos foi uma figura folclórica do Laguinho, bastante conhecido no bairro por suas tiradas inusitadas. Era neto do mestre Julião, “Rei Negro do Marabaixo”; morava na Eliezer Levy, bem na porta de entrada do bairro moreno da cidade; vivia ali como festeiro, guardião da história e das tradições do povo do Laguinho. 
Entre seus melhores amigos, muita gente graúda –  médicos, professores, advogados, comerciantes, políticos, e funcionários do primeiro escalão do Governo do Amapá!  Turma boa que assinava ponto à tardinha na casa do dito cujo  para  um  carteado  no  paga  beijo  que  se  estendia  muita  além  da  boca  da  noite.    
Faz  algum  tempo  que  o  Paulino  subiu,  mas  ficaram  os  causos,  as  tiradas  que  correm  de  boca  em  boca,  e  continuam  provocando  muitas  gargalhadas;  o  que  restou  da  sua  irreverência,  jeito  engraçado  de  ser  e  de  falar,  hoje  enriquece  o  folclore  da  cidade  em  que  veio  ao  mundo  e  a  quem  serviu  como  funcionário  público,  dono  de  bar,  açougueiro  ou  fazedor  de frete  nas  horas  vagas,  dirigindo  aquela  fubica  que  todo  mundo  via  por  aí.  
Negro pobre,  baixinho,  descendente  de  escravos,  estudou  muito  pouco;  mal  assinava  o  nome  e,  provavelmente,  não  leu  um  livro  na  sua  vida!  Trabalhou  duro  pra  garantir  o  leite  das  crianças,  quase  sempre  de  camisa  aberta,  cigarrinho  no  canto  da  boca,  uma  cervejinha  pra  indagar  dos  mais  esclarecidos  – José  Figueiredo  de  Souza,  Ubiraci,  Zequinha  Picanço,  Iacy  Alcântara,  Geraldo  Magela  -  sobre  política  e  futebol.  
Impossível  pensar  no  Paulino  triste,  cabisbaixo, mas  tinha  o  pavio  curto  e  podia  explodir  a  qualquer  momento;  verdade  se  diga:  a  história  do  homem  no  serviço  público  foi  uma  piada...Só  queria  sombra  e  água  fresca...Coisas  do  Território  do  Amapá,  em  que  antiguidade  era  posto,  esclarece  Enildo  Cuia  Preta,  especialista  em  Paulino  Ramos  que,  por  ser  descendente  do  Mestre  Julião,  gozava  de  alguns  privilégios,  lembra  laguinense  histórico,  Francisco  Lino  da  Silva.  O  homem  não  era  obrigado  a  cumprir  dois  expedientes,    que  tinha  licença  para  ir  à  repartição  pela  manhã  para  assinar  o  ponto  de  entrada  e  o  ponto  de  saída.  
Um  dia  a  moleza  acabou  quando  seu  chefe  mandou  apertar  todo  mundo  por  ordem  do  governador  de  plantão;  determinou  ao  Paulino  que  comparecesse  também  para  assinar  o  ponto  da  tarde;  foi    que  ele  chiou,  sibilante,  vendo  sua  sesta  ir  pro  espaço  (sic):-  Ih!Ih!ih!ih  bem  que  me  disseram...Ih,Ih,Ih    começou  a  perseguição!    
Certa vez encasquetou com a vizinhança e botou placa de venda na casa em que morava.  Conceituado empresário o procura e ele o recebe em sua residência; ocorre que possível comprador decide primeiro ouvir a proposta do dono do imóvel.  O Paulino arrocha no preço e o cidadão acha alto, diz que o  lote  é  pequeno,  que  a  benfeitoria  não  compensa,  apesar  de  bem  localizada,  no  que  retruca  o  neto  de  Julião:-  Tudo  bem,  o  lote  é  pequeno,  a  casa  é  pequena, mas  ih,ih,ih,ih  pra  cima  não  conta,  doutor?  
Festa  em  louvor  ao  Divino  Espírito  Santo,  casa  do  Pavão, divisa  do  Laguinho  com  Jesus  de  Nazaré,  o  velho  “Puíco”,  um  dos  apelidos  do  Paulino,  abusa  da  gengibirra  na  roda  do  marabaixo!  Horas  depois  sai  da festa  tentando  dar  partida  na  fubica  que  chamava  de  “Socorrinho  do  Laguinho”,  e  trisca  num  carro  estacionado  mais  adiante...  Proprietário do carro abalroado, não se  contém,  dirige  um  monte  de  impropérios  ao  Paulino,  obtendo  como  resposta  uma  pergunta:  - Onde  tu  moras,  meu  jovem?  - No  Trem!    disse  o  cidadão  morto  de  curiosidade.  - Então  a  culpa  é  tua... O  que  tu  estais  fazendo  no  Jesus  de  Nazaré?  
E  quando  antigas  dores  nos  ombros  reaparecem  e  ele  toma  a  decisão  de  pagar  uma  consulta?  O  médico  o  examina,  prescreve  a  medicação  e  o  Paulino  pergunta  ao  doutor  se  aceita  cheque  de  um  amigo,  justo  no  valor  da  consulta.  O  médico  diz  que  sim;  dias  depois  o  médico  vai  ao   banco  e  constata  que  o  cheque  está  sem  cobertura  e  o  procura  para  expor  o  problema:  -  Paulino,  lembra  daquele  cheque  que  você  me  deu,  amigo?  Queria  lhe avisar  que  está  sem  fundo!  - Eu  queria  lhe  avisar  também,  doutor,  que  aquela  dor  no  ombro  continua!  - Como  ficamos  então?    disse  o  médico.  -  Fácil,  doutor,  o  senhor  devolve  o  cheque  e  eu  fico  com  a  minha  dor... 
Quando  morreu,  em  92,  a  nação  negra  chorou  de  dor. 
Texto do jornalista João Silva, adaptado para o Blog Porta-Retrato, com a devida anuência do autor.

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